domingo, 1 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte I)

Cena do Filme: A Paixão de Cristo
Nesses dias o mundo cristão católico celebrou a Semana Santa. Nela somos inseridos na dinâmica da vida, morte e ressurreição de Jesus. Procissões, confissões, celebrações, novos cristãos são acolhido na comunidade pelos ritos de iniciação, momentos de reflexão e oração, tudo isso torna esses dias um momento intenso de experiência de fé. São tantas coisas acontecendo que, muitas vezes, não conseguimos aprofundar nosso olhar sobre o que estamos celebrando.
Gostaria de pensar com você, caro leitor e leitora, sobre um dos pontos centrais diante do qual somos colocados nesses dias: a morte de Jesus![1]
Sim, isso mesmo, Jesus morreu! Morreu de verdade, como todos nós morremos!
Como ele morreu? De uma morte violenta: crucificado, nú, após ser torturado e humilhado publicamente.
Podemos nos questionar: mas Ele não era bom? Ele não veio em nome de Deus? Ele não passou a vida fazendo o bem?[2] Por que mataram Jesus?
Para entendermos por que mataram Jesus, precisamos entender pelo quê Jesus viveu.
Jesus viveu pelo anúncio do Reino de Deus, que não era uma ideia abstrata para um futuro distante, mas uma esperança que o povo de Israel carregava em seu coração, no desejo de serem livres da opressão política do Império Romano e de poderem viver suas vidas segundo a Lei de Deus (YHWH).[3]
Jesus disse que o Reino de Deus estava próximo, mas que era preciso uma mudança radical dos valores fundamentais que temos em nosso coração (conversão!) e a acolhida da Boa Notícia que ele veio anunciar (crer no Evangelho).[4]
A boa notícia anunciada por Jesus falava da liberdade para os que estavam cativos, da recuperação da vista aos cegos, da boa notícia anunciada para os pobres, da libertação dos que se encontravam oprimidos, da proclamação de um tempo novo da ação de Deus.[5]
Jesus disse que esse Reino já estava acontecendo no meio deles, mas que eles precisavam abrir os olhos para ver.[6] Ele manifestou isso com sua vida: acolhendo os considerados pecadores naquele tempo com misericórdia;[7] cuidando dos enfermos com compaixão;[8] ensinando sobre a bondade e a justiça de Deus;[9] enfrentando e denunciando aqueles que desejavam manter o controle sobre o povo por meio de um discurso religioso que oprimia e excluía as pessoas do Reino de Deus;[10] subvertendo a lógica das relações de poder das autoridades vigentes que separavam as pessoas e desconsideravam os mais pobres, impedindo-os de viver com dignidade suas vidas.[11]
Entretanto, esse caminho custou a Jesus perseguições por parte das classes dominantes de seu tempo: os grupos aristocráticos sacerdotais do Templo e as autoridades romanas. Esses grupos tem, direta e indiretamente, algum tipo de poder econômico, político, religioso-exemplar, policial-militar e, de algum modo, convergem na perseguição.
Podemos perceber, nos Evangelhos, que Jesus tinha consciência da hostilidade que crescia contra ele nesses grupos. Desde o início de sua vida pública, Jesus enfrentou a oposição[12] e sua vida já estava sob ameaça desde cedo.[13]
Apesar dele não ter seguido o caminho da luta armada para instauração do Reino de Deus como faziam outros líderes que surgiam no meio do povo camponês pobre e explorado da Palestina, nem ter seguido em conformidade com todas as expectativas populares sobre o Reino, mesmo assim, os Evangelhos nos permitem ver que havia uma perseguição real, mantida e progressiva contra ele. Desse modo, o conflito não é algo momentâneo ou acidental na vida de Jesus, por isso ele devia ter consciência de um possível desenlace final trágico para sua vida, especialmente depois do que aconteceu com João Batista.[14]
Jesus sabia que Herodes, o sinédrio e os romanos tinham poder para matá-lo e que a perseguição contra ele poderia levar a isso. Porém, ele manteve-se firme na perseguição, mantendo-se fiel a Deus e ao seu testemunho da misericórdia divina para com os pequeninos. Ele tinha consciência do destino trágico dos profetas que permaneceram fieis a sua missão e via a si mesmo nesse caminho.[15]
A morte de Jesus seguiu um processo que revela mais claramente por que o mataram. Esse processo pareceu dar legitimidade ao que desejavam fazer com Jesus: sua morte. 
Na próxima postagem olharemos esse processo procurando entender por que mataram Jesus.




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] At 10,38.
[3] Essa é uma transliteração do tetragrama sagrado usado pelos judeus como o “nome de Deus”, porém, nunca pronunciado por causa da proibição estabelecida na Lei judaica. Por isso, não se sabe exatamente a pronúncia correta desse nome. A tradução mais aproximada parece ser “Javé”, mas algumas Igrejas, por motivos de interpretação, usam também “Jeová”.
[4] Cf. Mc 1,15.
[5] Cf. Lc 4,18-19.
[6] Cf. Lc 17,21
[7] Mt 9,13; Lc 19,1-10; Jo 8,1-11.
[8] Mc 1,32-34; Mc 3,1-6.
[9] Lc 6,36-38; Lc 10,29-37; Lc 15.
[10] Mt 23,13-28.
[11] Mt 20,24-28; Lc 14,7-11; Mc 2,13-17.
[12] Cf. Lc 4,24; Mc 6,4; Mt 13,57; Jo 4,44.
[13] Cf. Mc 3,6.
[14] Provavelmente Jesus pertenceu ao grupo de João Batista antes de seguir seu próprio caminho. João estava entre os vários líderes populares que reuniam o povo com sua mensagem profética. Segundo Flavio Josefo, historiador judeu que viveu no final do século I e início do século II d.C., Herodes Antipas teria matado João por suspeitar do risco de seu movimento causar problemas. Ver também: Mt 14,13; Mc 6,30.
[15] Cf. Lc 4, 25-27; Lc 11,50; Mt 23,34.37; Lc 13,34; Jo 10,11.15.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens anteriores

DESTAQUE DO MÊS

“Teologia Oficial” x Teologia da Libertação: um embate hermenêutico!

Concílio Ecumênico Vaticano II Existe uma discussão no meio teológico movida por questões de compreensão e interpretação da mensagem d...