Cena do Filme: A Paixão de Cristo |
Gostaria
de pensar com você, caro leitor e leitora, sobre um dos pontos centrais diante
do qual somos colocados nesses dias: a morte de Jesus![1]
Sim,
isso mesmo, Jesus morreu! Morreu de verdade, como todos nós morremos!
Como
ele morreu? De uma morte violenta: crucificado, nú, após ser torturado e
humilhado publicamente.
Podemos
nos questionar: mas Ele não era bom? Ele não veio em nome de Deus? Ele não
passou a vida fazendo o bem?[2] Por que mataram Jesus?
Para
entendermos por que mataram Jesus, precisamos entender pelo quê Jesus viveu.
Jesus
viveu pelo anúncio do Reino de Deus, que não era uma ideia abstrata para um
futuro distante, mas uma esperança que o povo de Israel carregava em seu
coração, no desejo de serem livres da opressão política do Império Romano e de
poderem viver suas vidas segundo a Lei de Deus (YHWH).[3]
Jesus
disse que o Reino de Deus estava próximo, mas que era preciso uma mudança
radical dos valores fundamentais que temos em nosso coração (conversão!) e a
acolhida da Boa Notícia que ele veio anunciar (crer no Evangelho).[4]
A
boa notícia anunciada por Jesus falava da liberdade para os que estavam
cativos, da recuperação da vista aos cegos, da boa notícia anunciada para os
pobres, da libertação dos que se encontravam oprimidos, da proclamação de um
tempo novo da ação de Deus.[5]
Jesus
disse que esse Reino já estava acontecendo no meio deles, mas que eles
precisavam abrir os olhos para ver.[6] Ele manifestou isso com
sua vida: acolhendo os considerados pecadores naquele tempo com misericórdia;[7] cuidando dos enfermos com
compaixão;[8] ensinando sobre a bondade
e a justiça de Deus;[9] enfrentando e denunciando
aqueles que desejavam manter o controle sobre o povo por meio de um discurso
religioso que oprimia e excluía as pessoas do Reino de Deus;[10] subvertendo a lógica das
relações de poder das autoridades vigentes que separavam as pessoas e
desconsideravam os mais pobres, impedindo-os de viver com dignidade suas vidas.[11]
Entretanto,
esse caminho custou a Jesus perseguições por parte das classes dominantes de
seu tempo: os grupos aristocráticos sacerdotais do Templo e as autoridades
romanas. Esses grupos tem, direta e indiretamente, algum tipo de poder
econômico, político, religioso-exemplar, policial-militar e, de algum modo,
convergem na perseguição.
Podemos
perceber, nos Evangelhos, que Jesus tinha consciência da hostilidade que
crescia contra ele nesses grupos. Desde o início de sua vida pública, Jesus
enfrentou a oposição[12] e sua vida já estava sob
ameaça desde cedo.[13]
Apesar
dele não ter seguido o caminho da luta armada para instauração do Reino de Deus
como faziam outros líderes que surgiam no meio do povo camponês pobre e
explorado da Palestina, nem ter seguido em conformidade com todas as
expectativas populares sobre o Reino, mesmo assim, os Evangelhos nos permitem
ver que havia uma perseguição real, mantida e progressiva contra ele. Desse
modo, o conflito não é algo momentâneo ou acidental na vida de Jesus, por isso
ele devia ter consciência de um possível desenlace final trágico para sua vida,
especialmente depois do que aconteceu com João Batista.[14]
Jesus
sabia que Herodes, o sinédrio e os romanos tinham poder para matá-lo e que a
perseguição contra ele poderia levar a isso. Porém, ele manteve-se firme na
perseguição, mantendo-se fiel a Deus e ao seu testemunho da misericórdia divina
para com os pequeninos. Ele tinha consciência do destino trágico dos profetas
que permaneceram fieis a sua missão e via a si mesmo nesse caminho.[15]
A
morte de Jesus seguiu um processo que revela mais claramente por que o mataram.
Esse processo pareceu dar legitimidade ao que desejavam fazer com Jesus: sua
morte.
Na próxima postagem olharemos esse processo procurando entender por que
mataram Jesus.
[1]
Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível
fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a
seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve.
Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo:
Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias:
movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História
do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo:
Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias.
São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a
Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São
Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social
do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo
no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon. Jesus,
o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª
ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2]
At 10,38.
[3]
Essa é uma transliteração do tetragrama sagrado usado pelos judeus como o “nome
de Deus”, porém, nunca pronunciado por causa da proibição estabelecida na Lei
judaica. Por isso, não se sabe exatamente a pronúncia correta desse nome. A tradução
mais aproximada parece ser “Javé”, mas algumas Igrejas, por motivos de
interpretação, usam também “Jeová”.
[4]
Cf. Mc 1,15.
[5]
Cf. Lc 4,18-19.
[6]
Cf. Lc 17,21
[7]
Mt 9,13; Lc 19,1-10; Jo 8,1-11.
[8]
Mc 1,32-34; Mc 3,1-6.
[9]
Lc 6,36-38; Lc 10,29-37; Lc 15.
[10]
Mt 23,13-28.
[11]
Mt 20,24-28; Lc 14,7-11; Mc 2,13-17.
[12]
Cf. Lc 4,24; Mc 6,4; Mt 13,57; Jo 4,44.
[13]
Cf. Mc 3,6.
[14]
Provavelmente Jesus pertenceu ao grupo de João Batista antes de seguir seu
próprio caminho. João estava entre os vários líderes populares que reuniam o
povo com sua mensagem profética. Segundo Flavio Josefo, historiador judeu que
viveu no final do século I e início do século II d.C., Herodes Antipas teria
matado João por suspeitar do risco de seu movimento causar problemas. Ver
também: Mt 14,13; Mc 6,30.
[15]
Cf. Lc 4, 25-27; Lc 11,50; Mt 23,34.37; Lc 13,34; Jo 10,11.15.
Nenhum comentário:
Postar um comentário