domingo, 25 de março de 2018

Um Rei montado em um jumentinho

Uma imagem significativa dentro das celebrações da Semana Santa é a de Jesus entrando em Jerusalém aclamado pelos seus discípulos e por uma multidão[1] que, tomando ramos nas mãos e os seus mantos para colocá-los pelo caminho por onde ele estava passando em sinal de reverência, gritavam “hosana ao filho de Davi”. Isso se dava porque Jesus estava sendo visto como o Rei messiânico prometido, que viria libertar Israel de sua opressão.
Entretanto, a aparente pomposidade da cena é quebrada pela forma como Jesus se apresenta. Ele entra em Jerusalém em meio às aclamações não em uma carruagem real, não em um possante cavalo de guerra, mas montado em um jumentinho.
Essa imagem é provocativa para todos nós ainda hoje, pois ela nos revela como a “lógica de Deus” é diferente da nossa forma de pensar e compreender as coisas.
Sempre que medito cenas como essa, presentes nos Evangelhos, me chama a atenção como a Palavra de Deus nos provoca a repensarmos a forma como olhamos e entendemos a vida ao nosso redor.
Vivemos em um mundo no qual a imagem é mais valorizada do que o conteúdo. Uma sociedade das redes sociais em que postamos fotos de nossa “felicidade”, de nosso “sucesso”, no desejo de obter os “louvores” das outras pessoas por meio de suas “curtidas” e comentários. Muitas vezes essas imagens não correspondem à realidade, mas apenas produzem uma ilusão de realidade para quem está vendo e uma falsa sensação de sucesso para quem está sendo visto.
O desejo de obter o prestígio e a admiração das pessoas muitas vezes dita a forma como construímos nossas relações. Muitas vezes caímos na tentação de procurar nos apresentar passando uma imagem de “grandeza”, de destaque, para garantirmos o reconhecimento e os aplausos que desejamos.
No Evangelho Jesus parece ir na contramão de tudo isso ao entrar montado em um jumentinho na cidade de Jerusalém. Apesar de ele estar sendo aclamado como um Rei, apresenta-se em uma montaria dos pobres, dos camponeses viajantes, sem pompa, sem glórias aparentes. É um contraste diante da euforia que o cerca. Porém, parece-me que o Evangelho está querendo nos fazer pensar sobre alguma coisa...
Esse contraste nos convida a pensar sobre como é fácil nos iludirmos com nossos desejos de poder e de grandeza. Mesmo Jesus manifestando que ele é um “rei diferente” ao montar um jumentinho, a multidão esperava dele uma revolução contra os opressores romanos. Entretanto, como ele não correspondeu a essa expectativa foi tomado por um impostor e abandonado pela mesma multidão à morte na cruz.[2]
A lógica de Deus que o Evangelho nos apresenta é a logica do serviço. É quando nos colocamos a serviço dos outros, sem busca de glórias pessoais, mas por amor livre e generoso, que descobrimos o verdadeiro sentido da vida. As “glórias desse mundo” são passageiras. O que realmente fica é o amor compartilhado por meio do serviço em favor daqueles que mais precisam, na luta pela justiça, no esforço dedicado à construção de uma sociedade que seja um dia a Civilização do Amor que Jesus desejou e pela qual deu sua vida. Montado em um jumentinho, Jesus aponta o caminho do serviço, não o caminho das “glórias desse mundo”, como o caminho que gera verdadeiro sentido para nossa vida.
Esse caminho vale para cada um de nós, mas também vale para as instituições religiosas de forma mais significativa.
Toda religião que não assume o caminho do serviço, mas que se coloca a serviço de si mesma, em busca de prestígio e poder, não entendeu o nosso “Rei montado em um jumentinho”. Quando colocamos as instituições acima das pessoas, acima de sua dignidade, não entendemos ainda essa cena da entrada de Jesus em Jerusalém.
Corremos o risco de estarmos, na verdade, distraídos com os ramos, os mantos, os gritos de exaltação, e não vermos Jesus montado em um jumentinho. Talvez até pensemos que o jumentinho é um acidente de percurso, que Jesus montou nele porque não encontrou coisa melhor, que foi um improviso do momento, tudo para não pensarmos no significado dessa imagem de Jesus sobre o jumentinho.
É difícil não sermos envolvidos pelo contexto cultural no qual vivemos atualmente. Cada um de nós, pessoalmente, assim como as nossas Igrejas, não estamos livres do fascínio dos aplausos, dos elogios, da busca por poder e prestígio. Somos incentivados de várias maneiras a buscar isso como sinal de realização e felicidade. Entretanto, a mensagem que vemos no Evangelho pode nos ajudar a discernir melhor nossas escolhas e atitudes, e nos ajudar a ir na “contra-mão” dessa lógica da imagem e do poder.
Contemplemos essa cena que o Evangelho nos oferece nesses dias! Deixe-mo-nos questionar por ela! Olhemos para Jesus, nosso Rei, montado em um jumentinho e aprendamos com Ele o caminho do serviço como o verdadeiro caminho que nos fará “grandes no Reino dos Céus”.[3]



[1] Mc 11,1-11; Mt 21,1-11; Lc 19,28-40.
[2] Lc 24,19-21
[3] Mc 9,33-37.

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