Nas postagens anteriores tratamos da questão “por que mataram Jesus?”. Responder a essa questão é relativamente fácil, pois podemos recorrer ao contexto histórico, à pesquisa sobre Jesus e aos elementos presentes nos Evangelhos que nos permitem ver, mais explicitamente, todo o conjunto de fatores sociais, político e religiosos que desembocaram em sua morte.
Entretanto,
a outra questão é um pouco mais delicada, pois por trás dela está um dado da fé
dos primeiros cristãos que se refere à identidade de Jesus. O anúncio das
protocomunidades cristãs afirmava que Jesus era o messias, Filho de Deus. Isso
gerou uma problemática que era a seguinte: se ele é o Filho de Deus por que ele
morreu crucificado? Qual a razão da sua morte?[1]
Pode
parecer bobagem, mas alguém que foi enviado por Deus, morrer assim, não fazia
sentido. “Deus não estava com ele?” Sua morte trágica soaria como um atestado
de que ele não era o enviado de Deus, que ele seria um impostor, pois Deus o
abandonou na cruz.
Para
enfrentar essa questão, os primeiros cristãos precisaram desenvolver uma
reflexão que os ajudassem a entender o sentido da morte de Jesus. Vamos fazer juntos
esse caminho, mesmo que de forma breve.
Os
primeiros cristãos buscaram nas Escrituras (Antigo Testamento) luzes para
entender a morte de Jesus. Uma primeira perspectiva que surgiu foi ver a cruz
como o destino de um profeta.[2] Essa explicação é
compreensível, pois está baseada na própria tradição de Israel e iluminava as
primeiras perseguições vividas pelas comunidades cristãs. Essa explicação unia
o destino de Jesus e o destino dos profetas, ao mesmo tempo em que associava
também as comunidades a esse destino.
Outro
caminho para tentar responder ao “por que Jesus morreu” foi afirmar que a cruz
era necessária.[3]
Apelou-se em última instância para Deus, para que ao menos em Deus a cruz
tivesse sentido. Essa postura parte da honestidade das comunidades de que não
se conseguia entender a tragédia que se abateu sobre Jesus e que só Deus
saberia dizer algo. Por outro lado, esse discurso mostra a teimosia destas
mesmas comunidades em manter a esperança, afirmado que deve haver algum sentido
no que aconteceu com Jesus mesmo que não saibamos ou consigamos entender.
Entretanto,
se aceitarmos a explicação da cruz apelando para o mistério de Deus, para Sua
vontade, ou seja, Jesus morreu porque foi a vontade de Deus, naturalmente surge
outra pergunta: POR QUE JESUS MORREU DESSA FORMA E NÃO DE OUTRA?
Essa
pergunta se torna importante se lembrarmos que o Deus cuja vontade foi a morte
de Jesus na cruz não é qualquer Deus. Tanto para os judeus como para Jesus,
Deus é bom, liberta os oprimidos, defende a vida do justo, quer a vinda do Seu
reino; é um Deus a quem Jesus chama de “abba” (“painho”). Por isso, o Novo
Testamento vai nos apresentar a busca dos primeiros cristãos pelo sentido da
cruz na morte de Jesus. Em outras palavras, procura-se responder a uma nova questão:
EXISTE ALGO DE BOM NA CRUZ, JÁ QUE ESSE FOI O DESÍGNIO DE UM DEUS BOM?
A
resposta formal que geralmente ouvimos quando perguntamos isso a um cristão
fiel é que a cruz de Jesus é algo sumamente bom por seus efeitos sobre a
humanidade, ou seja, porque pela cruz de Jesus Deus nos salvou. Porém
precisamos aprofundar um pouco melhor o sentido dessa afirmação. É preciso
esclarecer o que há especificamente na cruz que a torna mediação de salvação e remissão
dos pecados, em outras palavras, como pode haver salvação na morte de cruz de
Jesus.
Vamos
procurar responder a essas questões na última postagem dessa série próxima
semana.
[1]
Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível
fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a
seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve.
Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo:
Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias:
movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História
do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo:
Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias.
São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a
Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São
Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social
do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo
no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon. Jesus,
o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª
ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2]
1 Ts 2,14s; Rm 11,3; Mt 23,37; Mc 12,2s.
[3]
Lc 24,26; Mc 8,31; At 2,23; 4,28.
Nenhum comentário:
Postar um comentário