domingo, 22 de julho de 2018

No princípio havia o Big Bang, e no princípio do Big Bang havia um padre!



REPORTAGEM RETIRADA E ADAPTADA DO SITE DO INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS[1]

O físico e matemático belga, que combinou ciência e fé em seus trabalhos, foi o primeiro a falar da origem do universo em expansão e com um passado infinito.

A reportagem é de Alberto López, publicado por El País, 17-07-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

Ciência e fé não costumam dar bons casamentos, mas há exceções, como a do cientista e sacerdote católico belga Georges Lemaître, que não é apenas um exemplo reconhecido pela comunidade científica, mas que, com grande humildade, foi capaz de corrigir o próprio Albert Einstein. Estamos falando do padre da Teoria do Big Bang, que tentou demonstrar a origem do universo.
Sem renunciar à sua fé católica, Lemaître falou de um passado infinito do universo, mas que não entrava em contradição com sua crença em um Deus criador do mundo, já que tanto Aristóteles quanto São Tomás de Aquino mostraram que a criação de um universo não precisaria de um começo no tempo.
Pe. Georges Lemaître 
Georges Henri Joseph Édouard Lemaître nasceu em 17 de julho de 1894, na localidade belga de Charleroi. Ele era o mais velho entre os quatro irmãos e desde muito cedo mostrou sua precocidade em matemática e física, mas também em sua vocação pessoal, anunciando a seus pais, aos nove anos de idade, que queria ser padre.
Encorajado por seu pai, Georges Lemaître decidiu estudar primeiro, antes de entrar no seminário, e matriculou-se na Escola Superior Jesuíta do Sagrado Coração, em Charleroi, onde destacou-se em química, física e matemática. Em 1910, seu pai conseguiu um novo emprego e mudou-se com a família para Bruxelas. O jovem Lemaître, já com 16 anos, matriculou-se em outra escola jesuíta, o Colégio Saint Michel, onde seus professores descobriram suas habilidades excepcionais em matemática e física.
Embora ainda gostasse da ideia de se tornar padre, Georges decidiu estudar engenharia em vez de teologia. Em 1911 ingressou na Universidade Católica de Lovaina para fazer o curso de engenharia. Em julho de 1913, obteve o diploma e começou a trabalhar como engenheiro de minas.
A Primeira Guerra Mundial forçou-o a parar seus estudos e servir como voluntário no exército belga, alcançando o posto de Primeiro-Sargento. Por sua bravura, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra, além de ter sido expulso de uma missão após ter dito ao instrutor que seus cálculos balísticos estavam errados. No entanto, as atrocidades vistas na guerra amplificaram sua vocação sacerdotal. Algum colega de aula viria a recordar posteriormente que sua vocação de fé e da ciência se mantinham em tamanha sincronia que ele era visto por aí lendo o livro de Gênesis da Bíblia da mesma maneira que lia artigos de equações de físicos franceses.
Retomou seus estudos e em 1920, aos 26 anos, foi premiado com a mais alta distinção, um doutorado em Ciências Matemáticas por sua tese 'A aproximação de funções reais de várias variáveis'. Georges Lemaître também obteve um bacharelado em filosofia baseado no sacerdote italiano do século XIII, São Tomás de Aquino.
Seu passo seguinte foi dar início à sua caminhada para tornar-se padre, ao ingressar na Casa de Saint Rombaut, em outubro de 1920. Seus professores, notando seu interesse contínuo em matemática e física, sugeriram que ele estudasse o trabalho de Albert Einstein. Lemaître assim o fez, aprendendo sobre o cálculo do tensor e a relatividade geral dos livros escritos pelo famoso astrônomo matemático Arthur Eddington.
Em 1922, Lemaître apresentou a tese 'A Física de Einstein', que rendeu-lhe uma bolsa de estudos do governo belga e a possibilidade de ir para a Universidade de Cambridge (Inglaterra), como pesquisador de astronomia. Quase em paralelo, foi ordenado sacerdote em setembro de 1923, aos 29 anos. No entanto, ao invés de exercer como padre em uma paróquia ou colégio, Lemaître utilizou a bolsa para estudar a teoria da relatividade geral e trabalhar pessoalmente com Eddington, que sugeriu a Lemaître que começasse a trabalhar em um doutorado sobre o universo.
Eddington pediu a Lemaitre que aplicasse as regras da relatividade geral ao conteúdo de seu trabalho para ver quais seriam os resultados. Lemaître descobriu duas soluções para o problema de Eddington: a primeira consistia em uma proposta feita por Einstein, em 1917, de um universo fechado, estável e estático, cuja densidade de energia em massa fosse constante; a segunda estava relacionada com a proposta de Willem de Sitter, também em 1917, de um universo cujo comportamento em grande escala fosse dominado pela constante cosmológica (a densidade de energia do espaço vazio).
Georges Lemaître cruzou o Atlântico para conduzir pesquisas na Universidade de Harvard e também matriculou-se como aluno para um doutorado em Física no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Durante sua estada nos Estados Unidos, viajou muito e conheceu os mais importantes astrônomos e físicos do país, incluindo Forest Ray Moulton, William Duncan MacMillan, Vesto Slipher, Edwin Hubble e Robert Millikan.
Georges retornou à Bélgica no verão de 1925 e, apoiado e recomendado por Eddington, foi nomeado professor associado de matemática na Universidade Católica de Lovaina. Em 1927, defendeu sua tese no MIT: 'O campo gravitacional em uma esfera fluida de densidade invariante uniforme, segundo a teoria da relatividade'.
Neste novo papel de pesquisador e divulgador, Georges Lemaître realizou a derivação do que hoje é conhecida como a Lei de Hubble, que relata a velocidade com que uma galáxia se afasta e a sua distância. A famosa Conferência Solvay de 1927 contou com a presença da maioria dos principais físicos. Einstein também participou e falou com Lemaître, dizendo-lhe que suas ideias já haviam sido apresentadas por Friedmann, em 1922. Além disso, disse-lhe que, por mais que acreditasse que suas soluções para as equações da relatividade geral estivessem matematicamente corretas, traziam soluções que não eram fisicamente possíveis. Especificamente, Einstein disse-lhe: "Seus cálculos estão corretos, mas sua compreensão da física é abominável".
Einstein não estava sozinho ao achar as ideias de Lemaître inaceitáveis. Pelo contrário, essa era a opinião de quase todos os cientistas. No entanto, em 1929, Hubble publicou um trabalho que apresentava grandes evidências de um universo em expansão, contradizendo a teoria de um universo estático, até então aceita.
Eddington e outros membros da Real Sociedade Astronômica (Royal Astronomical Society) começaram a trabalhar para tentar resolver o problema originado pela discrepância entre a teoria e a observação, com uma parte da teoria de Lemaître que os cientistas - incluindo Eddington - acharam impossível de aceitar: como foi que o universo teve um começo em um tempo finito no passado, da mesma forma que a religião católica defende no livro de Gênesis?
Lemaître respondeu às objeções a sua teoria em um documento publicado na revista Nature, em maio de 1931. "Se o mundo começou com um único quantum, as noções de espaço e tempo não teriam nenhum significado no princípio; só começariam a ter algum significado sensato quando o quantum original fosse dividido em um número suficiente de quanta. Se esta sugestão estiver correta, o começo do mundo aconteceu um pouco antes do começo do espaço e do tempo". Em realidade, Lemaître sempre expressou que era importante manter uma separação entre as idéias científicas e as crenças religiosas sobre a criação.
Esta foi a primeira formulação explícita da Teoria do Big Bang, atualmente aceita e que naquele momento também era aceita pela maioria dos cientistas e a qual Georges chamou de "hipótese do átomo primordial". Em 1933, Einstein e Lemaître disponibilizaram-se a ministrar uma série de conferências na Califórnia. Depois de ouvir Lemaître explicar sua teoria em um desses seminários, Einstein levantou-se e disse: "Esta é a mais bela e satisfatória explicação da Criação que em algum momento eu tenha escutado".
As ideias de Georges Lemaître chegaram à imprensa popular, que o descreveu como o principal líder do momento. Um artigo no 'New York Times' mostrou uma foto dele e Einstein com a legenda: "Eles têm um profundo respeito e admiração um pelo outro". E é o fato de que Lemaître tenha sido tanto um cientista quanto um padre católico que gerou certo fascínio na imprensa popular, até o ponto em que um jornalista escreveu acerca dele: "Não há conflito entre religião e ciência, repete Lemaître diversas vezes... Seu ponto de vista é interessante e importante não apenas porque ele é um padre católico ou um dos principais matemáticos e físicos de nosso tempo, mas porque ele é ambos".
O maior opositor das hipóteses de Lemaître foi o astrônomo inglês Fred Hoyle, um dos arquitetos do modelo Estacionário. Na verdade, foi ele quem deu seu nome à teoria do Big Bang em uma entrevista de rádio para a BBC e o fez de maneira depreciativa.
Para o sacerdote belga Georges Lemaître, a história do universo divide-se em três períodos: o primeiro é chamado de "a explosão do átomo primitivo", segundo o qual há cinco bilhões de anos existia um núcleo de matéria hiperdensa e instável que explodiu sob a forma de super-radioatividade. Esta explosão propagou-se durante um bilhão de anos e os astrônomos percebem até hoje seus efeitos sobre os raios cósmicos e as emissões X.
Depois vem o período de equilíbrio ou o universo estático de Einstein. Ele afirma que, após a explosão, estabelece-se um equilíbrio entre as forças de repulsão cósmicas na origem do acontecimento e as forças de gravitação. É durante esta fase de equilíbrio - que dura dois bilhões de anos - que se formam nós que dão origem às estrelas e galáxias.
Finalmente, acontecem os períodos de expansão, iniciados há 2 bilhões de anos, que demonstrariam que o universo está se expandindo a uma velocidade de 170 quilômetros por segundo de maneira indefinida.
Em 1948, George Gamov propôs uma nova descrição do começo do universo. E, embora ele seja considerado atualmente como o pai da teoria do Big Bang, as linhas mestras já estavam presentes de uma maneira muito clara na cosmologia de Lemaître.
O renomado padre belga obteve vários cargos na Pontifícia Academia das Ciências, sendo assessor pessoal do papa Pio XII e presidente da mesma em 1960. Em 1979, durante o discurso do Papa São João Paulo II à Pontifícia Academia das Ciências, por ocasião da comemoração do nascimento de Albert Einstein, ele citou algumas palavras de Lemaître sobre a relação entre a Igreja e a ciência:
"Por acaso a Igreja poderia ter necessidade de ciência? Não: a cruz e o Evangelho lhe bastam. Mas nada que seja humano é alheio ao cristianismo. Como poderia a Igreja se desinteressar na mais nobre das ocupações estritamente humanas: a investigação da verdade?"
Ao fim da sua vida, Georges Lemaître dedicou-se cada vez mais aos cálculos numéricos. Seu interesse pelos incipientes computadores e pela informática acabou por fasciná-lo completamente.
Ele morreu na cidade belga de Lovaina, em 20 de junho de 1966, aos 71 anos, dois anos depois de ter escutado a notícia da descoberta da radiação cósmica de fundo de microondas cósmicas, que era a prova definitiva de sua teoria astronômica fundamental do Big Bang.
O nome em uma cratera na Lua e em um veículo espacial da Agência Espacial Europeia (a ATV5), que nem sequer existe mais, são dois reconhecimentos quase insignificantes para a estatura humana e sua contribuição para a compreensão da origem do universo que nos acolhe.

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