Concílio Ecumênico Vaticano II |
Muitas pessoas, especialmente
nas redes sociais, fazem postagens com críticas à teologia da libertação em
nome da “teologia oficial” que seria a verdadeira teologia. Porém, seriam as
coisas assim tão claras? Seria mesmo a teologia da libertação uma falsa
teologia, corruptora da fé cristã?
Eu tenho como princípio que todo
discurso religioso e, consequentemente, teológico acontece dentro de um
processo hermenêutico. É partindo desse princípio que quero desenvolver essa
nossa conversa.
A “teologia oficial” é assim
chamada por ser o discurso teológico que se tornou normativo para a comunidade
de fé que é a Igreja. Ele se tornou normativo porque, após as experiências
vividas e os frutos experimentados, a comunidade de fé reconheceu nele um valor
que ajuda a viver de modo positivo a vida cristã. Entretanto, essa “teologia oficial”
nunca foi estática, mas passou e continua passando por um processo de
amadurecimento, de atualização, de revisão, de purificação, como diz o
documento do Concílio Vaticano II sobre a Igreja, Lumen Gentium n. 8,[2] ao
falar da própria Igreja, sendo uma teologia sempre necessitada de reforma, de
revisão, porque é feita por homens e mulheres pecadores, limitados, que não são
capazes de esgotar todo o conteúdo da Revelação.
Do mesmo modo, a Teologia da
Libertação é um discurso teológico que passa pelo mesmo processo da “teologia oficial”.
Ela propõe uma maneira de fazer teologia que parte da realidade de exclusão e
de morte em que vivem milhões de pessoas, em busca de uma vivência da fé cristã
que não ignore essa realidade, mas assuma uma práxis transformadora à luz da
Revelação que é a fonte de toda e qualquer teologia cristã. Por causa disso, a
Teologia da Libertação destaca alguns aspectos da Revelação em busca de uma
práxis cristã autenticamente libertadora dentro dessa realidade injusta.
A diferença fundamental entre
essas “teologias”, ao meu ver, encontra-se no fato de que a chamada “teologia oficial”
é considerada a teologia normativa, ou seja, é o discurso teológico que estabelece
a base do discurso de fé assumido pela Igreja como um todo, fruto de sua
bagagem histórica amadurecida com as diversas experiências e teologias vividas.
Já a Teologia da Libertação é um discurso que busca ligar a fé e a vida em um
contexto concreto, procurando responder a uma realidade concreta a luz da
Revelação cristã.
Ambas as teologias, dentro de um
processo contínuo de reflexão e interpretação, estão em constante evolução, com
acertos e erros, em um amadurecimento contínuo. Porém, não posso deixar de
destacar que a Teologia da Libertação oferece uma importante contribuição para o
universo do pensamento teológico, pois ela deu destaque para a pessoa do pobre
e para a realidade da pobreza dentro da reflexão teológica, oferecendo um
princípio hermenêutico que procura partir da vida concreta, buscando lê-la em
diálogo com a Revelação, e isso trouxe importantes avanços para o fazer
teológico, inclusive enriquecendo o discurso da “teologia oficial” com novas
perspectivas.
Assim sendo, acho estranho
certos discursos que atacam a Teologia da Libertação, pois ao ouvi-los ou
lê-los eles me soam como clichês que são repetidos por pessoas que nunca leram
textos importantes produzidos por essa corrente teológica. Apenas repetem
estereótipos sem nenhum conteúdo significativo, ou repetem teólogos críticos à
Teologia da Libertação, “representantes” da “teologia oficial”, simplesmente
para ter uma autoridade que sustente sua posição, mas eles mesmos não conhecem
nada de verdade sobre o assunto.
Acredito que esse tipo de
postura não contribui em nada para a teologia como um todo.
O debate teológico sempre fez
parte da vida da Igreja. Os Concílios e Sínodos ocorridos no decorrer da
história estão marcados por embates teológicos que permitiram a reflexão sobre
a Revelação se desenvolver. Uma característica interessante é que várias coisas
foram ajustadas, corrigidas e revogadas com o passar do tempo, fruto desse
saudável (mesmo que nem sempre tranquilo) embate entre diferentes correntes
teológicas.
Acredito que o debate deve
continuar, faz parte de toda e qualquer ciência. Entretanto, não posso admitir
um debate superficial, movido por argumentos rasos sem conhecimento de causa. O
discurso teológico oficial possui elementos que precisam e devem ser criticados
para que possa continuar se desenvolvendo, assim como a Teologia da Libertação,
enquanto corrente teológica nascida na América Latina, mas parte da grande
tradição teológica da Igreja, também precisa ser criticada para que possa
corrigir-se e avançar.
Ambas “teologias” fazem parte de
um processo hermenêutico que busca compreender e meios para viver a Revelação
de Deus em Jesus Cristo, fundamento da nossa fé cristã. Cada qual segue
princípios metodológicos que hora são comuns ora são próprios. Qual a melhor?
Para mim não há melhor, o que há são caminhos. Sou, por formação, muito mais
simpático à proposta metodológica da Teologia da Libertação, entretanto, sei
que ela, enquanto uma corrente teológica entre outras, não esgota as
possibilidades de reflexão e de respostas que buscamos por meio da teologia.
Quero convidar você a ler e se
aprofundar sobre as diversas abordagens teológicas que existem. Aqui tratei
somente da Teologia da Libertação colocando-a em paralelo com a chamada “teologia
oficial”. Entretanto, existem várias correntes teológicas que desenvolvem sua
reflexão a partir de várias perspectivas.[3]
Para citar algumas temos: a teologia existencial, a teologia política, a teologia
da história, a teologia da secularização, entre outras. Todas elas estão
procurando descobrir como a Revelação pode ser resposta significativa para os
homens e mulheres do nosso tempo.
Portanto, vamos ler, vamos
estudar, vamos conhecer, somente depois disso, vamos debater, vamos nos
posicionar, vamos “teologar” sobre tudo isso. Assim poderemos contribuir de
maneira significativa com o pensamento teológico.
[1]
Utilizo esse termo entre aspas e com iniciais em minúsculo porque entendo que
não existe uma “teologia oficial”, o que existe é Teologia com suas correntes. Em
meio a essas correntes há um discurso oficial, sustentado pelo Magistério da Igreja,
que tem por finalidade conservar os fundamentos da fé cristã, mas não é uma
corrente em si mesmo, pois ele vai assumindo com o passar do tempo elementos das
várias correntes teológicas na medida em que a reflexão teológica avança. Há
também a Teologia da Libertação que é uma corrente teológica entre outras e,
por isso a escrevo com iniciais maiúsculas, por ser ela identificável de forma
específica.
[2]
“[...] a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa
e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a
renovação.” (LG 8).
Conheci seu blog hoje e estou muito grata pelos seus textos! Parabéns pelo trabalho e obrigada por compartilhar.
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