domingo, 27 de maio de 2018

O Espírito Santo prometido no Evangelho Segundo João (Parte II)



Continuando nossa reflexão sobre o Espírito Santo no Discurso de Despedida de Jesus no IV (Quarto) Evangelho,[1] vamos ver mais duas expressões usadas pelo evangelista.

O Espírito da Verdade
Entre os textos utilizados para falar sobre o Paráclito, encontramos alguns que também utilizam a expressão “Espírito da Verdade”, que pode ser vista, num primeiro momento, como uma espécie de qualificação do Paráclito.[2] Porém, esta forma de se dirigir ao Espírito Santo oferece mais elementos que nos ajudam a melhor perceber como o IV Evangelho apresenta este Espírito.
O Espírito Santo é o Espírito da Verdade porque Ele a comunica e a ela conduz (cf. Jo 16,13). Esta verdade é o próprio Jesus (cf. Jo 14,6) e o Espírito é a força da verdade.
Sendo o Espírito o amor leal manifestado pelo Pai no Filho, este mesmo Espírito manifestará a Verdade sobre Deus que revelou a força do seu amor (cf. Jo 3,16) e sobre o ser humano, fazendo-o conhecer o projeto de Deus sobre a humanidade e o capacitando para realizá-lo. Esta verdade fará o ser humano livre (cf. Jo 8,31-32) e o Espírito continuará o processo de libertação iniciado com Jesus.
Somente aqueles que receberam Jesus e com Ele permaneceram serão capazes de receber o Espírito da Verdade (Jo 14,17; 15,26-27).
O Espírito da Verdade permite o conhecimento da pessoa de Jesus e de sua mensagem e, deste modo, oferece a chave de leitura da história como dialética entre o “mundo” e o projeto de Deus a partir da morte e exaltação de Jesus, que abriu uma nova etapa da história.
No texto de Jo 16,13-15, falando sobre a vinda do Espírito da Verdade, o IV Evangelho coloca quatro funções do Espírito: falar, anunciar, guiar e glorificar.
A função de falar não se refere à função oral, mas ao conteúdo do que foi dito. O Espírito será o “porta-voz” de Jesus ausente na vida da comunidade. Ele falará aquilo que ouvir de Jesus ou sobre o próprio Jesus. Esta função manifesta mais uma vez a dimensão profética do Espírito.
O Espírito “[...] anunciará as coisas futuras [...]”. Esta função não se refere à ideia de que Ele “revelará novidades”, mas indica que ao anunciar a mensagem recebida, realizará o conhecimento de Jesus e o que Ele significa para cada época, revelando o sentido cristológico[3] de toda história da salvação. Também aqui encontramos a dimensão profética do Espírito que revela o sentido escatológico[4] inerente à palavra e a obra de Cristo.
O Espírito da Verdade “guia na verdade”. A verdade é o próprio Jesus, revelação definitiva. O Espírito guiará para a compreensão e penetração nesta verdade. Ele fará com que a mensagem de salvação de Jesus penetre no coração dos crentes.
A função de glorificar aparece como fruto das outras funções ou atividades. O Espírito realiza a mediação para a glorificação de Jesus que se dá pela manifestação de sua unidade com o Pai, a afirmação de sua divindade e do caráter divino de sua missão e revelação. Fazendo-nos conhecer quem é Jesus e sua mensagem salvífica, o Espírito glorifica Jesus.

Espírito Santo
Em Jo 14,26, encontramos este termo junto com o termo Paráclito, como uma espécie de aposto para explicar quem é o Paráclito.
Dentro do discurso de despedida este é o único momento em que aparece esta expressão, ao contrário do que se vê no restante dos textos do IV Evangelho.
Entretanto, é importante sua colocação aqui, pois deixa claro quem é o Paráclito e reafirma a divindade e missão do Espírito. Ele é santo, isto é, separado, porque é divino e, ao mesmo tempo, tem a missão de santificar, separar, consagrar os homens, retirando-os das trevas para a luz, assemelhando-os a Jesus,  o Consagrado do Pai (cf. Jo 6,69).
Podemos concluir, por meio de toda essa reflexão, que o Espírito Santo é quem garante, por sua ação na comunidade, a presença atualizada de Jesus e de sua mensagem. Ele oferece a garantia de que a comunidade será fiel a sua missão de continuadora da obra de Jesus na história, ensinando, guiando, anunciando, testemunhando e fazendo recordar em cada momento aquilo que Ele recebe do  próprio Jesus (cf.Jo 14,26; 15,26s; 16,8.13-15).


[1] Toda a argumentação desenvolvida nesse estudo se apoia na seguinte bibliografia:
BÍLBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
DOOD, Charles H.. Interpretação do Quarto Evangelho. Teológica/Paulus, São Paulo: 2003, pp. 283-301.
DUSSANT, E. Cothenet L.; FORT, P. Le; PRIGENT, P. Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. Paulinas, São Paulo: 1988, pp 108-114.
MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de São João. Paulinas, São Paulo: 1989. (Grande Comentário Bíblico)
MATEOS, Juan. Vocabulário Teológico do Evangelho de São João. Paulinas, São Paulo: 1989.
SANTOS, Bento Silva. Teologia do Evangelho de São João. Santuário, Aparecida: 1994, pp. 239-274.
[2] Em alguns comentários não se distingue “Paráclito” e “Espírito da Verdade”, mas são apresentados de forma mesclada. Aqui se tenta separar para destacar o aspecto da “verdade” que foi atribuída ao “Espírito” para designá-lo, entretanto, algumas das reflexões já estão contempladas no comentário anterior sobre o Paráclito. Por isso, procuraremos nos restringir àquilo que ainda não fora aprofundado.
[3] Termo usado para falar de Cristo e de sua pessoa. Deriva da palavra Cristologia que é o estudo da pessoa de Jesus Cristo.
[4] Termo derivado da palavra Escatologia que é o estudo das realidades últimas: o fim da história, juízo, salvação e condenação etc.

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