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Uma questão que sempre volta no meio religioso cristão é a intolerância. Existem pessoas que, por ingenuidade ou por desconhecimento da própria história do cristianismo ou, infelizmente, por um fundamentalismo doentio, acabam por acreditar cegamente que sua tradição cristã é a única correta e verdadeira e que quem não se encaixa no seu “modelo” de cristianismo está no erro, no pecado ou condenado ao inferno.
Nesta semana em que realizamos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, gostaria de recorda com você,
cara leitora e caro leitor, um pouco da nossa história enquanto comunidade
cristã no mundo. Acredito que esse breve olhar pode trazer outra perspectiva
sobre nós mesmos enquanto Igrejas e Comunidades Eclesiais que se
auto-identificam como seguidoras de Jesus Cristo.[1]
O cristianismo nasceu como um
grupo, uma “seita”,[2]
dentro do judaísmo. Os discípulos de Jesus, após a experiência de sua páscoa,
pregavam que esse Jesus seria o messias enviado por Deus para realizar a
salvação de todos os que nele cressem e de levar o judaísmo a alcançar o
cumprimento das promessas que Deus lhe havia feito por meio dos profetas.[3]
Esse novo grupo dentro do
judaísmo irá passar por um processo traumático de ruptura com o judaísmo a
partir da segunda metade do século I depois de Cristo (d.C.). Dentre as
diversas razões dessa ruptura, destaco a acolhida de não-judeus no grupo dos
seguidores de Jesus e o contexto do próprio judaísmo depois da queda de
Jerusalém depois do ano 70 d.C..
O cristianismo nasceu, então, de um cisma
com o judaísmo. Já nascemos em meio a uma “briga” com nossa “religião-mãe”.
Assim, passamos a ter Cristianismo de um lado e Judaísmo do outro.
Em seguida, recordo que dentro
das comunidades cristãs sempre existiram tensões e momentos de ruptura nesses
primeiros séculos. Uma primeira tensão foi entre aqueles que achavam que para
ser da comunidade cristã as pessoas tinham que adotar os costumes judaicos
(circuncisão, rituais de purificação, seguir a Lei de Moisés etc) e aqueles que
diziam que isso não era necessário, bastando crer em Jesus como messias e
seguir o que ele ensinou.
Outras tendências foram surgindo
e gerando tensões, tais como: se Jesus era divino ou não; se ele morreu de
verdade ou só aparentemente, já que Deus não pode morrer; como ele seria Filho
de Deus etc. Essas e outras questões geraram tantos conflitos que a Igreja
cristã, nos primeiros 8 (oito) séculos, realizou grandes Concílios tentando
encontrar soluções para essas e outras questões de forma que se guardasse o
fundamental da fé e a unidade do cristianismo.
Entre esses vários contextos, recordo
o caso do Arianismo. Essa corrente de pensamento considerada herética por
vários Concílios permaneceu dividindo internamente a Igreja por aproximadamente
3 séculos. Seu pensamento não tinha como objetivo destruir o cristianismo, mas
era uma tentativa de explicar como Jesus poderia ser homem e ser Deus ao mesmo
tempo. A maioria dos líderes do cristianismo rejeitou a teoria de Ário, por
isso ela foi considerada herética, contudo ela permaneceu por muito tempo sendo
fonte de conflitos internos.
Por volta do ano de 1054,
ocorreu o “Cisma Ocidente-Oriente” ou o “Grande Cisma”. A Igreja Católica
(assim chamada não como denominação, mas como compreensão de que ela é
universal - para todo o mundo) se dividiu entre o Oriente e o Ocidente. As
causas giraram em torno de questões teológicas sobre a natureza do Espírito
Santo e questões sobre a autoridade entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente cristão. Assim, o mundo cristão
ficou dividido entre a Igreja Católica Apostólica Romana, no Ocidente, e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, no Oriente.
No século XV, com o monge
agostiniano Martinho Lutero, inicia-se o movimento que será chamado de Reforma Protestante. O
monge Lutero apresenta suas 95 teses que questionam posturas e formas de
interpretação da fé cristã por parte das lideranças da Igreja Católica no
Ocidente. Conflitos, perseguições, interesses políticos levaram ao “Cisma do
Ocidente”, dando origem a Igreja Católica Apostólica Romana (o termo “Católica”
aqui entendida como denominação específica dentro do universo das Igrejas
cristãs) e as Igrejas e Comunidades Eclesiais da Reforma.[4]
Em seguida, dentro do próprio
movimento da reforma, diferentes perspectivas geraram diferentes Igrejas,
fragmentando em diversas denominações o cristianismo da Reforma.
Na Igreja Católica, apesar de
não ter ocorrido fragmentações externas tão intensamento como a do tipo ocorrido no mundo protestante,
internamente sempre existiram tendências, interpretações e tensões teológicas
que exigiram e exigem constante necessidade de revisão e diálogo para evitar maiores
divisões. Mesmo assim, algumas divisões menores já ocorreram no século passado.
Cito aqui dois casos: a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, fundada pelo
bispo francês Lefebvre, que não aceitou as decisões do Concílio Vaticano II
(1962-1965); a Igreja Católica Apostólica Brasileira, que recusa o dogma da
infalibilidade do Papa e que tem uma interpretação menos rígida das orientações
morais cristãs, nascida com cisma do bispo Carlos Duarte Costa que vivia na
região do Estado de São Paulo, em 1945.
Essa breve exposição nos ajuda a
perceber que nossa história, como história do cristianismo, nunca foi tranquila
nem uniforme. Sempre existiram tensões e conflitos que em alguns momentos
conseguimos superar, mas que em outros acabamos por nos dividir.
A consciência dessa história
comum a todos os cristãos provocou vários cristãos e cristãs, e em suas
Igrejas, o desejo por um novo caminho que pudesse nos ajudar a resgatar a
comunhão que os evangelhos nos apresentam como o grande desejo de Jesus.[5]
Nascido entre as Igrejas da Reforma em meados do século XX, o Movimento Ecumênico se expandiu e tem sido um sinal de esperança na busca da unidade entre as diversas denominações cristãs. A segunda metade do século XX foi profundamente marcada pelo esforço de líderes das diversas Igrejas e Comunidades Eclesiais em cultivar o caminho do diálogo ecumênico como meio para vivermos uma nova comunhão entre as seguidoras e os seguidores de Jesus.
Nascido entre as Igrejas da Reforma em meados do século XX, o Movimento Ecumênico se expandiu e tem sido um sinal de esperança na busca da unidade entre as diversas denominações cristãs. A segunda metade do século XX foi profundamente marcada pelo esforço de líderes das diversas Igrejas e Comunidades Eclesiais em cultivar o caminho do diálogo ecumênico como meio para vivermos uma nova comunhão entre as seguidoras e os seguidores de Jesus.
Entretanto, tenho sentido nesse início do
século XXI uma tendência crescente de uma perspectiva fundamentalista, fechada
ao diálogo e ávida por um cristianismo normativo que coloque todas as pessoas
em uma espécie de fôrma (seja ela uma interpretação fundamentalista da Bíblia
ou a palavra de uma autoridade da sua Igreja), que apresente com toda clareza
quais são todas as regras para se conseguir ser um bom cristão, que tire da
consciência pessoal a responsabilidade por suas escolhas, pois se deseja pensar
e agir em conformidade com o que
“alguém” determina (seja a Bíblia ou a autoridade religiosa), transferindo para
esse “alguém” toda a responsabilidade das consequências de suas decisões e ações.
As pessoas que têm apresentado
essa postura de fechamento em suas Igrejas parecem não entender que não há
como nos protegermos dos desafios que a existência de outras Igrejas cristãs, que
honestamente professam sua fé no mesmo Jesus Cristo e que lêem e interpretam a
mesma Bíblia, nos apresentam como seguidores e seguidoras de Jesus. Basta olhar
nossa história comum como cristãos para entender que a busca da unidade sempre
foi um desafio e um sonho desejado, mas nunca plenamente realizado.
É obvio que o caminho não é
fácil e que existem diferenças entre nossas Igrejas que são difíceis (no
presente momento) de serem superadas. Porém isso não nos impede de nos olharmos
com respeito e esperança, com amor fraterno e desejo de construir pontes entre
nós.
Atitudes de fechamento
manifestam nosso medo diante daquilo que não entendemos ou conhecemos. Elas
reforçam o que há de pior em nós: intolerância, falta de misericórdia,
legalismos, violência em nome de Deus, exclusão e condenação das pessoas que
não pensam como “nós”.
Vamos construir pontes, vamos
aprender a ouvir o outro como um irmão (não como um adversário)! Vamos dialogar
com respeito e verdade no coração e nas palavras! O pluralismo entre os
cristãos não precisa ser necessariamente um mal, ele pode ser uma oportunidade
para nos retirar do nosso “ponto de conforto” e nos ajudar a crescer na fé que
professamos juntos.
Temos um longo caminho a
percorrer rumo à comunhão fraterna entre nós. Eu prefiro percorrê-lo de mãos
dadas do que entre cotoveladas.
[1]
Não vamos apresentar um estudo exaustivo. Facilmente se encontra bibliografia
especializada que pode servir para aprofundar o estudo sobre a história do
cristianismo. Aqui nos basta apresentar os acontecimentos de forma breve para
informar e ajudar a entender nossa reflexão.
[2]
Uso o termo “seita” no seu sentido básico, ou seja, um grupo separado dentro de
outro grupo maior.
[4]
Uso a expressão genérica “Igrejas e Comunidades Eclesiais da Reforma” porque
são muitas as denominações que surgiram nessa primeira fase do processo:
Lutera, Calvinista, Presbiterianos, Batistas etc. Dessa forma, sintetizo nessa
expressão a diversidade de denominações que foram surgindo com a Reforma.
[5]
Jo 17,20-21.
Enriquecedor.Vamos ser pontes que une e derrubar os muros que nos separam.Que não falte a coragem de dialogar uns com os outros.
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