domingo, 13 de maio de 2018

A pluralidade do cristianismo e a intolerância entre os cristãos

Christian World Communions

Uma questão que sempre volta no meio religioso cristão é a intolerância. Existem pessoas que, por ingenuidade ou por desconhecimento da própria história do cristianismo ou, infelizmente, por um fundamentalismo doentio, acabam por acreditar cegamente que sua tradição cristã é a única correta e verdadeira e que quem não se encaixa no seu “modelo” de cristianismo está no erro, no pecado ou condenado ao inferno.
Nesta semana em que realizamos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, gostaria de recorda com você, cara leitora e caro leitor, um pouco da nossa história enquanto comunidade cristã no mundo. Acredito que esse breve olhar pode trazer outra perspectiva sobre nós mesmos enquanto Igrejas e Comunidades Eclesiais que se auto-identificam como seguidoras de Jesus Cristo.[1]
O cristianismo nasceu como um grupo, uma “seita”,[2] dentro do judaísmo. Os discípulos de Jesus, após a experiência de sua páscoa, pregavam que esse Jesus seria o messias enviado por Deus para realizar a salvação de todos os que nele cressem e de levar o judaísmo a alcançar o cumprimento das promessas que Deus lhe havia feito por meio dos profetas.[3]
Esse novo grupo dentro do judaísmo irá passar por um processo traumático de ruptura com o judaísmo a partir da segunda metade do século I depois de Cristo (d.C.). Dentre as diversas razões dessa ruptura, destaco a acolhida de não-judeus no grupo dos seguidores de Jesus e o contexto do próprio judaísmo depois da queda de Jerusalém depois do ano 70 d.C..
O cristianismo nasceu, então, de um cisma com o judaísmo. Já nascemos em meio a uma “briga” com nossa “religião-mãe”. Assim, passamos a ter Cristianismo de um lado e Judaísmo do outro.
Em seguida, recordo que dentro das comunidades cristãs sempre existiram tensões e momentos de ruptura nesses primeiros séculos. Uma primeira tensão foi entre aqueles que achavam que para ser da comunidade cristã as pessoas tinham que adotar os costumes judaicos (circuncisão, rituais de purificação, seguir a Lei de Moisés etc) e aqueles que diziam que isso não era necessário, bastando crer em Jesus como messias e seguir o que ele ensinou.
Outras tendências foram surgindo e gerando tensões, tais como: se Jesus era divino ou não; se ele morreu de verdade ou só aparentemente, já que Deus não pode morrer; como ele seria Filho de Deus etc. Essas e outras questões geraram tantos conflitos que a Igreja cristã, nos primeiros 8 (oito) séculos, realizou grandes Concílios tentando encontrar soluções para essas e outras questões de forma que se guardasse o fundamental da fé e a unidade do cristianismo.
Entre esses vários contextos, recordo o caso do Arianismo. Essa corrente de pensamento considerada herética por vários Concílios permaneceu dividindo internamente a Igreja por aproximadamente 3 séculos. Seu pensamento não tinha como objetivo destruir o cristianismo, mas era uma tentativa de explicar como Jesus poderia ser homem e ser Deus ao mesmo tempo. A maioria dos líderes do cristianismo rejeitou a teoria de Ário, por isso ela foi considerada herética, contudo ela permaneceu por muito tempo sendo fonte de conflitos internos.
Por volta do ano de 1054, ocorreu o “Cisma Ocidente-Oriente” ou o “Grande Cisma”. A Igreja Católica (assim chamada não como denominação, mas como compreensão de que ela é universal - para todo o mundo) se dividiu entre o Oriente e o Ocidente. As causas giraram em torno de questões teológicas sobre a natureza do Espírito Santo e questões sobre a autoridade entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente cristão. Assim, o mundo cristão ficou dividido entre a Igreja Católica Apostólica Romana, no Ocidente,  e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, no Oriente.
No século XV, com o monge agostiniano Martinho Lutero, inicia-se o movimento  que será chamado de Reforma Protestante. O monge Lutero apresenta suas 95 teses que questionam posturas e formas de interpretação da fé cristã por parte das lideranças da Igreja Católica no Ocidente. Conflitos, perseguições, interesses políticos levaram ao “Cisma do Ocidente”, dando origem a Igreja Católica Apostólica Romana (o termo “Católica” aqui entendida como denominação específica dentro do universo das Igrejas cristãs) e as Igrejas e Comunidades Eclesiais da Reforma.[4]
Em seguida, dentro do próprio movimento da reforma, diferentes perspectivas geraram diferentes Igrejas, fragmentando em diversas denominações o cristianismo da Reforma.
Na Igreja Católica, apesar de não ter ocorrido fragmentações externas tão intensamento como a do tipo ocorrido no mundo protestante, internamente sempre existiram tendências, interpretações e tensões teológicas que exigiram e exigem constante necessidade de revisão e diálogo para evitar maiores divisões. Mesmo assim, algumas divisões menores já ocorreram no século passado. Cito aqui dois casos: a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, fundada pelo bispo francês Lefebvre, que não aceitou as decisões do Concílio Vaticano II (1962-1965); a Igreja Católica Apostólica Brasileira, que recusa o dogma da infalibilidade do Papa e que tem uma interpretação menos rígida das orientações morais cristãs, nascida com cisma do bispo Carlos Duarte Costa que vivia na região do Estado de São Paulo, em 1945.
Essa breve exposição nos ajuda a perceber que nossa história, como história do cristianismo, nunca foi tranquila nem uniforme. Sempre existiram tensões e conflitos que em alguns momentos conseguimos superar, mas que em outros acabamos por nos dividir.
A consciência dessa história comum a todos os cristãos provocou vários cristãos e cristãs, e em suas Igrejas, o desejo por um novo caminho que pudesse nos ajudar a resgatar a comunhão que os evangelhos nos apresentam como o grande desejo de Jesus.[5]
Nascido entre as Igrejas da Reforma em meados do século XX, o Movimento Ecumênico se expandiu e tem sido um sinal de esperança na busca da unidade entre as diversas denominações cristãs. A segunda metade do século XX foi profundamente marcada pelo esforço de líderes das diversas Igrejas e Comunidades Eclesiais em cultivar o caminho do diálogo ecumênico como meio para vivermos uma nova comunhão entre as seguidoras e os seguidores de Jesus.
 Entretanto, tenho sentido nesse início do século XXI uma tendência crescente de uma perspectiva fundamentalista, fechada ao diálogo e ávida por um cristianismo normativo que coloque todas as pessoas em uma espécie de fôrma (seja ela uma interpretação fundamentalista da Bíblia ou a palavra de uma autoridade da sua Igreja), que apresente com toda clareza quais são todas as regras para se conseguir ser um bom cristão, que tire da consciência pessoal a responsabilidade por suas escolhas, pois se deseja pensar e  agir em conformidade com o que “alguém” determina (seja a Bíblia ou a autoridade religiosa), transferindo para esse “alguém” toda a responsabilidade das consequências de suas decisões e ações.
As pessoas que têm apresentado essa postura de fechamento em suas Igrejas parecem não entender que não há como nos protegermos dos desafios que a existência de outras Igrejas cristãs, que honestamente professam sua fé no mesmo Jesus Cristo e que lêem e interpretam a mesma Bíblia, nos apresentam como seguidores e seguidoras de Jesus. Basta olhar nossa história comum como cristãos para entender que a busca da unidade sempre foi um desafio e um sonho desejado, mas nunca plenamente realizado.
É obvio que o caminho não é fácil e que existem diferenças entre nossas Igrejas que são difíceis (no presente momento) de serem superadas. Porém isso não nos impede de nos olharmos com respeito e esperança, com amor fraterno e desejo de construir pontes entre nós.
Atitudes de fechamento manifestam nosso medo diante daquilo que não entendemos ou conhecemos. Elas reforçam o que há de pior em nós: intolerância, falta de misericórdia, legalismos, violência em nome de Deus, exclusão e condenação das pessoas que não pensam como “nós”.
Vamos construir pontes, vamos aprender a ouvir o outro como um irmão (não como um adversário)! Vamos dialogar com respeito e verdade no coração e nas palavras! O pluralismo entre os cristãos não precisa ser necessariamente um mal, ele pode ser uma oportunidade para nos retirar do nosso “ponto de conforto” e nos ajudar a crescer na fé que professamos juntos.
Temos um longo caminho a percorrer rumo à comunhão fraterna entre nós. Eu prefiro percorrê-lo de mãos dadas do que entre cotoveladas.




[1] Não vamos apresentar um estudo exaustivo. Facilmente se encontra bibliografia especializada que pode servir para aprofundar o estudo sobre a história do cristianismo. Aqui nos basta apresentar os acontecimentos de forma breve para informar e ajudar a entender nossa reflexão.
[2] Uso o termo “seita” no seu sentido básico, ou seja, um grupo separado dentro de outro grupo maior.
[3] cf. At 2,22-24.29-36; 3,15;  4,9-12; 5,9-32; 10,37-43; 13,26-31; I Cor 15,3-7.
[4] Uso a expressão genérica “Igrejas e Comunidades Eclesiais da Reforma” porque são muitas as denominações que surgiram nessa primeira fase do processo: Lutera, Calvinista, Presbiterianos, Batistas etc. Dessa forma, sintetizo nessa expressão a diversidade de denominações que foram surgindo com a Reforma.
[5] Jo 17,20-21.

Um comentário:

  1. Enriquecedor.Vamos ser pontes que une e derrubar os muros que nos separam.Que não falte a coragem de dialogar uns com os outros.

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