Celebrando a Festa de
Pentecostes, olhamos de modo particular para a terceira pessoa da Trindade: o
Espírito Santo. Gostaria de convidar você, cara leitora e caro leitor, a
fazermos um pequeno estudo sobre como o Espírito Santo nos é apresentado no Discurso
de Despedida de Jesus (Jo 14 – 17) no IV (Quarto) Evangelho.[1]
Neste conjunto de
textos, três expressões aparecem para falar sobre o Espírito Santo: Paráclito
(Jo 14,16.26; 15,26; 16,7), Espírito da Verdade (Jo 14,17; 15,26; 16,13) e
Espírito Santo (Jo 14,26). Essas expressões estão cheias de significado que
precisamos aprofundar um pouco mais dentro dos textos para compreender melhor
seu conteúdo.
O Paráclito
O termo “paráclito” é
portador de vários significados, sendo, por isso, intraduzível. Porém, ele
evoca as ideias de: defensor (advogado), intercessor e consolador.
Filologicamente, o
“paráclito” é “alguém chamado para que esteja no lado/ para que assista”. Na
primeira carta de São João este termo aparece com o sentido de intercessor (I
Jo 2,1).
Fica evidente a
variedade de sentido que a expressão “paráclito” carrega. Entretanto, no IV
Evangelho, precisamos aprofundar sobre quem é o “paráclito” e qual sua
atividade.
Em Jo 14,16, podemos
perceber que o Paráclito é um dom, pois é dado aos discípulos. Porém, não é um
dom qualquer, mas um dom divino, pois o verbo “dar” utilizado neste texto é o
mesmo presente em outros textos tanto do Antigo como do Novo Testamento para
referir-se aos dons divinos concedidos por Deus a alguém em alguma ocasião.
Portanto, este Paráclito não pode ser obtido com as próprias forças, mas
somente pode ser recebido como dom gratuito da parte de Deus. Este dom será
concedido pela mediação de Jesus diante do Pai: “... e eu rogarei ao Pai e ele
vos dará...”, ficando evidente que a comunidade recebe este dom somente através
de Jesus.
Ainda em Jo 14,16,
encontramos outra informação fundamental: Jesus chama o Paráclito de “outro
Paráclito”. Diante desta expressão podemos perguntar: quem é o primeiro
Paráclito? E a resposta é: Jesus, pois Ele é quem defende, protege, consola e
intercede por seus discípulos e, com sua morte, eles ficarão sem esta
assistência (cf. Jo 17,6.9.11-12.14-19). Desta resposta podemos chegar a duas
conclusões prévias:
1 - o “outro Paráclito” vem como
continuador e intérprete da mensagem de Jesus (aprofundaremos este elemento
mais adiante);
2 - este texto revela uma dependência e
subordinação do papel do “outro Paráclito” em relação a Jesus (aqui temos uma concentração
cristológica, ou seja, na pessoa de Jesus).
Em Jo 14,26, o IV
Evangelho identifica o Paráclito como sendo o Espírito Santo. Mais uma vez o
texto reforça a ideia de que este Paráclito será enviado pelo pai em nome de
Jesus. Ou seja, o Pai e o Filho são o princípio da missão do Paráclito (cf.
também Jo 16,7).
Encontramos, também,
neste texto, duas atividades que deverão ser realizadas por este Espírito
Paráclito: ensinar e recordar.
O verbo ensinar é um
verbo de revelação. Entretanto, o Paráclito não revelará “coisas novas”, mas
deverá ensinar tudo o que foi dito por Jesus. Ele não falará a partir de si
mesmo, mas ensinará recordando e explicando a mensagem de Jesus, ou seja, o
ensino do Espírito é o ensino do próprio Jesus.[2] O
Paráclito realizará esta obra por meio de uma atividade interior no coração dos
discípulos (cf. I Jo 2,20.27). Também o verbo ensinar aponta para a dimensão
didática do Paráclito, característica esta fundamental dentro do IV Evangelho.
A atividade de
recordar faz paralelo com a de ensinar, pois o Paráclito ensinará fazendo
recordar tudo o que Jesus disse e fez. Neste caso, fazer lembrar é um
ensinamento. Por um lado, essas recordações os auxiliarão nos momentos de
perseguição (cf. Jo 15,20; 16, 4); por outro lado, as recordações serão também
interpretações, pois o Paráclito recordará iluminando o significado profundo
dos atos e palavras de Jesus. Sua função não é uma mera lembrança, mas uma
atualização vital, como mediador-intérprete da tradição. O que Jesus foi e o
que Ele significa estarão, portanto, unidos pela recordação (anamnese)
atualizante e criadora do Paráclito.
Outra atividade do
Paráclito é o de dar testemunho de Jesus (Jo 15,26). Ele dará este testemunho
aos discípulos e ao mundo, mas também fará dos discípulos testemunhas porque
fortalecerá a sua fé e a manterá (Jo 19,35; 20,20-22).
Ao utilizar a
expressão “testemunhar”, o IV Evangelho aponta para além do simples anúncio de
Jesus. Ele evoca o aspecto conflituoso deste anúncio. Como em um tribunal, os
discípulos enfrentarão os opositores de Jesus que o acusarão. Neste momento
será preciso testemunhar a seu favor para que se manifeste o julgamento
daqueles que creem e daqueles que rejeitam a Jesus (Jo 3,16-18). Portanto, podemos
dizer que o testemunho do Paráclito também é profético, pois manifesta a Jesus
e o dá a conhecer, ao mesmo tempo em que denuncia as “obras das trevas” que se
opõem a Ele e a sua palavra (cf. Jo 3,19-21).
Também o Paráclito
irá estabelecer a culpa do mundo sobre o pecado, a justiça e o julgamento (Jo
16,8-11). Aqui, encontramos uma abordagem mais jurídica para o termo
“paráclito”, colocando em um contexto de julgamento no qual será estabelecida a
culpa do “transgressor”. Porém, aplicar a perspectiva jurídica de modo absoluto
para interpretar a ação do Paráclito dentro deste contexto pode levar a
equívocos, pois o estabelecimento da culpa nem sempre visa à condenação, mas
pode ser também um convite a conversão.[3]
O Paráclito abre de
novo o processo a fim de pronunciar a sentença contrária a que fora aplicada
contra Jesus. Os que se arvoraram em juízes são os culpados, e o condenado é
que tinha razão. Em consequência, o sistema que se atreveu a cometer tamanha
injustiça está condenado por Deus. O pecado consiste em integrar-se a esta
ordem perversa, fazendo-se solidário da sua injustiça.
Portanto, a ação do
Paráclito em relação ao pecado de juntar-se ao sistema e não crer em Jesus (
cf. Jo 3,19; 12,48; 15,22; 16,9), a partida de Jesus para o Pai, que o ressuscita,
manifestando a verdadeira justiça e a injustiça dos que o condenaram (cf. Jo
16,10), e a exaltação de Jesus que julga o “Príncipe deste mundo” (cf. Jo
12,31; 16, 11.33), mais do que a perspectiva jurídica, expressa sua ação
profética que denuncia o mundo. Esta é uma importante obra do Paráclito na
comunidade, pois deste modo, ele a anima e a confirma.
Na próxima semana
concluiremos esse tema analisando as outras duas expressões que faltam: o
Espirito da Verdade e o Espírito Santo.
[1] Toda a argumentação desenvolvida nesse estudo se
apoia na seguinte bibliografia:
BÍLBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
DOOD, Charles H.. Interpretação do Quarto Evangelho. Teológica/Paulus, São Paulo: 2003, pp. 283-301.
DUSSANT, E. Cothenet L.; FORT, P. Le; PRIGENT, P. Os escritos de
São João e a Epístola aos Hebreus. Paulinas,
São Paulo: 1988, pp 108-114.
MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de São João. Paulinas, São Paulo: 1989. (Grande Comentário
Bíblico)
MATEOS, Juan. Vocabulário Teológico do Evangelho de São João. Paulinas, São Paulo: 1989.
SANTOS, Bento Silva. Teologia do Evangelho de São João. Santuário, Aparecida: 1994, pp. 239-274.
[2] Aqui se
colocou em forma de síntese o pensamento de Juan Mateos e Juan Barreto junto
com a explicação de Bento Silva Santos de modo que, para ver separadamente a
reflexão de cada autor, veja as obras: MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O
Evangelho de São João. Grande Comentário Bíblico, pp. 614; e SANTOS, Bento
Silva. Teologia do Evangelho de São João. pp. 250.
[3] Santos
preocupa-se com uma leitura que restrinja a interpretação deste texto ao
aspecto jurídico. Ele afirma que se pode encontrar um convite a conversão para
aqueles que, vendo a culpabilidade do mundo que rejeita Jesus, se abrem à fé.
SANTOS, Bento Silva. Teologia do Evangelho de São João. pp. 263-265.273.
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