domingo, 6 de maio de 2018

A tradição da fé cristã e a questão dos pobres (Parte II)



Continuando nossa reflexão sobre os pobres na tradição cristã, vamos avançar passando brevemente no período escolástico e em seguida apresentando alguns pronunciamentos em documentos do Magistério da Igreja no século XX.[1]

 Da Escolástica ao período Contemporâneo
Após o período patrístico o tema do pobre vai gradualmente dando lugar ao tema da propriedade; ao tema do que é justo ou não na posse e no uso dos bens, como também nas relações de trabalho. Porém, olhando bem, o tema do direito do pobre aparece indiretamente já que, ao se tratar sobre a justiça em relação aos bens em vista do bem comum e as relações de trabalho, os pobres estão incluídos.
Na escolástica destacamos S. Tomás com a reflexão sobre a justiça comutativa e a justiça distributiva. Para ele há um direito do pobre (justiça distributiva) e há um direito de propriedade (justiça comutativa), porém o proprietário não pode usar para si mesmo os bens próprios de que não necessita (supérfluo), porque os pobres têm DIREITO a eles.
Ao entrar no período contemporâneo o tema do direito do pobre ganha perfis mais plurais devido às profundas mudanças sócio-econômicas e político-estruturais pelas quais o mundo estava passando.
A Igreja vai refletindo e posicionando-se na medida em que as questões vão surgindo. O tema do “pobre” desaparece de modo explícito e só irá reaparecer com o Concílio Vaticano II, na sua inculturação na realidade Latino-Americana. As temáticas ganham contornos mais amplos e diversos, porém tendo sempre em vista aqueles que estão expostos à injustiça e a exploração.

-          LEÃO XIII: Rerum Novarum (1891) – Tratando sobre a classe operária explorada dentro da revolução industrial que o mundo passava, buscando a justa medida entre capitalismo e socialismo, nas relações entre patrão e operário, entre produção e salário digno; afirma também o direito natural à propriedade, mas lembra da função social que tais bens possuem.

-          PIO XI: Quadragésimo Anno (1931) – Crítica ao individualismo capitalista, à instrumentalização do Estado pelos detentores do Capital e o incentivo ao “Corporativismo Cristão” como mediação entre os indivíduos e o Estado.

-    PIO XII: Seu pensamento se encontra difuso em declarações e discursos nos quais reafirma o direito natural a propriedade sem prescindir da função social dos bens; defende os pequenos agricultores que sofrem pressões violentas do sistema capitalista para abandonar o campo; defende o direito a imigração; também lança as primeiras sementes da ética ecológica: Deus confiou um patrimônio à humanidade, sua Criação.

-     JOAO XXIII:      
Mater et Magistra (1961) – reflete sobre as tensões entre povos desenvolvidos e subdesenvolvidos; reflete sobre o êxodo rural; reflete sobre o subdesenvolvimento das nações (tema abordado pela primeira vez): nações economicamente fortes que desejam dominar as nações economicamente fracas.
Pacem in Terris (1963) – apresenta a paz fundada no respeito aos direitos naturais de todos os homens como meio para se alcançar uma solidariedade universal.

-          PAULO VI:
Gaudium et Spes (Vaticano II) – Tratando sobre a autonomia das realidades terrestres.
Populorum Progressio (1967) – Tratou sobre o desenvolvimento dos povos; incorporou a temática do subdesenvolvimento; apontou para a frustração do mito do desenvolvimento e para o perigo do mito das soluções violentas; convocou a solidariedade diante de 2/3 de subdesenvolvidos na humanidade.
Octogésimo Adveniens – Não se preocupa em oferecer modelos de sociedade para resolver os problemas da sociedade atual, mas incentiva as comunidades de base; questiona a civilização industrial e as bases que oferece aos sistemas capitalista e comunista; faz a primeira referência ao problema ecológico do meio ambiente dentro de um documento do magistério.

-          JOÃO PAULO II:[2]
Discurso na República Dominicana (1979) – fala sobre os pobres como agentes de sua própria promoção.
Discurso em Puebla – fala dos bispos como defensores da dignidade humana; sobre o compromisso preferencial, não exclusivo, pelos pobres; sobre o cuidado com os radicalismos e as ambigüidades (correntes verticalistas e horizontalistas); sobre a responsabilidade dos leigos no processo de transformação das estruturas sociais injustas; sobre a violação dos direitos dos trabalhadores.
Redemptoris Hominis (1979) – retoma o tema ecológico; fala sobre a sociedade consumista; sobre as exigências éticas da justiça e do respeito à dignidade do homem; sobre um humanismo novo; sobre a estreita relação entre a justiça e a paz.
Visita ao Brasil (1980) – em seus discursos fala sobre a necessidade de reformas, mas não como fruto do desenvolvimento econômico; sobre o repúdio a violência como meio para conseguir mudanças (luta de classes); sobre a missão social da Igreja: Pastoral Social; sobre a convergência de esforços para se alcançar a “civilização do amor”; sobre a defesa da pessoa humana em seus direitos fundamentais; sobre o direito a propriedade e sua função social.
Laborem Exercens (1981) – Trata sobre o tema do trabalho humano e o homem do trabalho.

Concluímos nesse ponto nossa reflexão, pois a obra na qual baseamos essa pesquisa termina esse tema no período do início dos anos 80. Entretanto, existem outras bibliografias mais atuais que podem oferecer uma excelente leitura.
Essa exposição não quis esgotar o tema, mas apenas provocar o interesse, pois não podemos ficar indiferente a realidade dos pobres e da pobreza no mundo. Nossa tradição cristã exige de cada um de nós o compromisso pela promoção de uma vida digna para todos.




[1] O que apresento a seguir é uma síntese feita a partir da obra: BIGO, Pierre; ÁVIA, Fernando Bastos. Fé cristã e o compromisso social: elementos para uma reflexão sobre a América Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. 2a ed., São Paulo: Paulinas, pp. 159-227, 1983. Devido a data dessa obra, nossa reflexão ficará limitada até o início dos anos 80.

[2] Sobre o pensamento de João Paulo II o livro trata somente até o ano de 1981, pois a obra base deste trabalho foi editada neste período. Por isso as referências se restringirão ao período da obra.

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