Continuando nossa reflexão sobre os pobres na tradição cristã, vamos
avançar passando brevemente no período escolástico e em seguida apresentando
alguns pronunciamentos em documentos do Magistério da Igreja no século XX.[1]
Da Escolástica ao
período Contemporâneo
Após o período patrístico o tema do pobre vai gradualmente dando lugar
ao tema da propriedade; ao tema do que é justo ou não na posse e no uso dos
bens, como também nas relações de trabalho. Porém, olhando bem, o tema do
direito do pobre aparece indiretamente já que, ao se tratar sobre a justiça em
relação aos bens em vista do bem comum e as relações de trabalho, os pobres
estão incluídos.
Na escolástica destacamos S. Tomás com a reflexão sobre a justiça
comutativa e a justiça distributiva. Para ele há um direito do pobre (justiça distributiva)
e há um direito de propriedade (justiça comutativa), porém o proprietário não
pode usar para si mesmo os bens próprios de que não necessita (supérfluo),
porque os pobres têm DIREITO a eles.
Ao entrar no período contemporâneo o tema do direito do pobre ganha
perfis mais plurais devido às profundas mudanças sócio-econômicas e
político-estruturais pelas quais o mundo estava passando.
A Igreja vai refletindo e posicionando-se na medida em que as questões
vão surgindo. O tema do “pobre” desaparece de modo explícito e só irá
reaparecer com o Concílio Vaticano II, na sua inculturação na realidade
Latino-Americana. As temáticas ganham contornos mais amplos e diversos, porém
tendo sempre em vista aqueles que estão expostos à injustiça e a exploração.
-
LEÃO XIII: Rerum Novarum (1891) –
Tratando sobre a classe operária explorada dentro da revolução industrial que o
mundo passava, buscando a justa medida entre capitalismo e socialismo, nas
relações entre patrão e operário, entre produção e salário digno; afirma também
o direito natural à propriedade, mas lembra da função social que
tais bens possuem.
-
PIO XI: Quadragésimo Anno (1931) –
Crítica ao individualismo capitalista, à instrumentalização do Estado pelos
detentores do Capital e o incentivo ao “Corporativismo Cristão” como mediação
entre os indivíduos e o Estado.
- PIO XII: Seu pensamento se encontra difuso em
declarações e discursos nos quais reafirma o direito natural a propriedade sem
prescindir da função social dos bens; defende os pequenos agricultores que
sofrem pressões violentas do sistema capitalista para abandonar o campo;
defende o direito a imigração; também lança as primeiras sementes da ética
ecológica: Deus confiou um patrimônio à humanidade, sua Criação.
- JOAO XXIII:
Mater et Magistra (1961) – reflete sobre as tensões entre povos
desenvolvidos e subdesenvolvidos; reflete sobre o êxodo rural; reflete sobre o
subdesenvolvimento das nações (tema abordado pela primeira vez): nações
economicamente fortes que desejam dominar as nações economicamente fracas.
Pacem in Terris (1963) – apresenta a paz fundada no respeito aos
direitos naturais de todos os homens como meio para se alcançar uma
solidariedade universal.
-
PAULO VI:
Gaudium et Spes (Vaticano II) – Tratando sobre a autonomia das
realidades terrestres.
Populorum Progressio (1967) – Tratou sobre o desenvolvimento
dos povos; incorporou a temática do subdesenvolvimento; apontou para a
frustração do mito do desenvolvimento e para o perigo do mito das soluções
violentas; convocou a solidariedade diante de 2/3 de subdesenvolvidos na
humanidade.
Octogésimo Adveniens – Não se preocupa em oferecer modelos
de sociedade para resolver os problemas da sociedade atual, mas incentiva as
comunidades de base; questiona a civilização industrial e as bases que oferece
aos sistemas capitalista e comunista; faz a primeira referência ao problema
ecológico do meio ambiente dentro de um documento do magistério.
-
JOÃO PAULO II:[2]
Discurso na República Dominicana (1979) – fala sobre os pobres
como agentes de sua própria promoção.
Discurso em Puebla – fala dos bispos como defensores da
dignidade humana; sobre o compromisso preferencial, não exclusivo, pelos
pobres; sobre o cuidado com os radicalismos e as ambigüidades (correntes
verticalistas e horizontalistas); sobre a responsabilidade dos leigos no
processo de transformação das estruturas sociais injustas; sobre a violação dos
direitos dos trabalhadores.
Redemptoris Hominis (1979) – retoma o tema ecológico; fala
sobre a sociedade consumista; sobre as exigências éticas da justiça e do
respeito à dignidade do homem; sobre um humanismo novo; sobre a estreita
relação entre a justiça e a paz.
Visita ao Brasil (1980) – em seus discursos fala sobre a
necessidade de reformas, mas não como fruto do desenvolvimento econômico; sobre
o repúdio a violência como meio para conseguir mudanças (luta de classes);
sobre a missão social da Igreja: Pastoral Social; sobre a convergência de
esforços para se alcançar a “civilização do amor”; sobre a defesa da pessoa
humana em seus direitos fundamentais; sobre o direito a propriedade e sua
função social.
Laborem Exercens (1981) – Trata sobre o tema do trabalho humano e o
homem do trabalho.
Concluímos
nesse ponto nossa reflexão, pois a obra na qual baseamos essa pesquisa termina
esse tema no período do início dos anos 80. Entretanto, existem outras
bibliografias mais atuais que podem oferecer uma excelente leitura.
Essa
exposição não quis esgotar o tema, mas apenas provocar o interesse, pois não
podemos ficar indiferente a realidade dos pobres e da pobreza no mundo. Nossa
tradição cristã exige de cada um de nós o compromisso pela promoção de uma vida
digna para todos.
[1]
O que apresento a seguir é uma síntese feita a partir da obra: BIGO, Pierre;
ÁVIA, Fernando Bastos. Fé cristã e o compromisso social: elementos para uma
reflexão sobre a América Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. 2a
ed., São Paulo: Paulinas, pp. 159-227, 1983. Devido a data dessa obra, nossa reflexão
ficará limitada até o início dos anos 80.
[2] Sobre o pensamento de João Paulo II o
livro trata somente até o ano de 1981, pois a obra base deste trabalho foi
editada neste período. Por isso as referências se restringirão ao período da
obra.
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