Atualmente, com o acesso as
redes sociais, as pessoas têm podido expressar suas ideias e opiniões sobre
tudo o que quiserem. Em blogs ou em vídeos, apresentam o que pensam sobre os
mais diversos assuntos. Entre tantos assuntos, é claro, religião também está em
alta.
Assim como em vários canais de
tv, com inúmeros programas de natureza religiosa, a internet também tem
inúmeros espaços utilizados para tratar dessa área. Encontramos coisas sérias,
produzidas por centros de natureza acadêmica no campo teológico, mas também
encontramos a diversidade de opiniões e manifestações que provocam, muitas
vezes, debates estranhos e estéreis. Chamo de debates estéreis porque não têm
como objetivo a busca de um conhecimento mais profundo e autêntico sobre a fé
cristã, mas de “vencer” e provar que “meu discurso” é o verdadeiro, é o certo.
Com as novas tecnologias, o
acesso à informação está muito mais fácil. Desse modo, as pessoas se sentem
cada vez mais capazes de se manifestar utilizando-se dessas informações. O
problema é a forma como essas informações são processas e usadas por cada
pessoa.
É nesse ponto que desejo falar
sobre o fundamentalista ilustrado e o teólogo pensante. Mais precisamente,
quero apresentar o que considero ser as características que nos permitam identificar
cada uma dessas figuras, pois ambas apresentam discursos que procuram tratar de
questões relativas a fé cristã e sua presença no mundo.
O que chamo de fundamentalista
ilustrado não é aquela pessoa estranha que fica repetindo ideias desconexas ou
simplesmente usa a famosa frase “a Blíblia diz...” para justificar qualquer
coisa que ela defende. Estou falando de alguém que possui muitas informações, que
conhece não só a Bíblia, mas também a história e outros textos da tradição
cristã. Uma pessoa que lê e que possui um rico conjunto de materiais dos quais
retira suas ideias e argumentos.
O problema do fundamentalista
ilustrado é que ele confunde informações com conhecimento. Ele acha que conhecer
muitas coisas é sinônimo de saber gerar, a partir delas um saber. O
fundamentalista ilustrado reproduz o conhecimento que ele adquiriu, utilizando-o
para reafirmar ideias que ele acredita estarem corretas sem questionar. Ao
invés de dizer somente “é assim porque a Bíblia disse que era assim!”, ele
também diz “é assim porque o santo ‘tal’ disse...” ou “é assim porque o papa
‘tal’ disse...” ou “é assim porque o pensador ‘tal’ disse...” e por aí vai
seguindo.
O fundamentalista ilustrado não
se arrisca ao tomar uma posição. Sua posição é determinada por uma autoridade
de fora a qual ele segue e a partir da qual justifica suas posições, colocando
a responsabilidade sobre o que tal “fonte de autoridade” disse. Desse modo, ele
não precisa lidar com o ônus das consequências de seu discurso ou de suas
escolhas porque ele fez o que lhe disseram que era para fazer.
O fundamentalista ilustrado
busca certezas e segurança, por isso precisa de uma instância na qual se
apoiar. Com a facilidade de acesso à informação, ele se cerca de todo
conhecimento possível para lhe garantir essa segurança e para poder se defender
de tudo o que possa ameaçar suas certezas. Por isso ele é uma pessoa ilustrada,
dotada de conhecimentos diversos, com leituras e informações sobre vários
assuntos, para poder se sentir seguro.
Tendo conhecimento e sendo
fundamentalista, ele se torna uma pessoa combativa, que usa todo o conhecimento
acumulado para atacar tudo o que não se encaixa em sua visão de mundo. Todo o
“diferente” é visto como uma ameaça a estabilidade do que ele acredita ser o
certo e verdadeiro para a vida de todas as pessoas. Desse modo, ele constrói
argumentos cheios de informações baseadas na autoridade das suas fontes, usadas
como se isso se tornasse uma “prova” de que ele está certo nas posições que
defende.
O fundamentalista ilustrado não
quer dialogar, ele quer convencer. Ele não está necessariamente preocupado em
encontrar a Verdade, pois acredita que já a possui e, por isso, acredita que
sua missão é convencer a todos sobre a “verdade” que ele já conhece. Todo o
discurso que não está em conformidade com essa “verdade” é considerado falso e
enganador. Ele não faz autocrítica, pois está convencido de que está certo e,
por isso, ele não acredita que outras perspectivas tenham algo de positivo a
oferecer ao seu universo de conhecimento.
O teólogo pensante é alguém que,
assim como o fundamentalista ilustrado, possui acesso à informação, leituras,
conhecimento em vários campos do saber. Entretanto, diferentemente do
fundamentalista, o teólogo pensante é uma pessoa que pensa. Em outras palavras,
ele simplesmente não reproduz ideias, mas também produz ideias.
O teólogo pensante não deseja
defender posições estáticas, mas está em busca da compreensão do que Deus
deseja em relação à humanidade e a toda criação. A Bíblia, os textos da
tradição cristã, o conhecimento produzido pelos vários pensadores na história
do cristianismo não são usados para justificar uma posição estática da fé
cristã diante do mundo seculariazado. Todo esse conhecimento é usado para
ajudar na busca de uma compreensão mais profunda sobre o que o discurso cristão
tem a dizer de significativo para esse nosso tempo.
Esse teólogo pensante não está
buscando segurança nem certezas, pois ele sabe que na vida e na história humana
tudo está ainda em movimento em direção à comunhão plena com Deus. Por isso,
ele aceita correr riscos pensando, produzindo conhecimento, mesmo podendo estar
errado, mas ele sabe que precisa tentar para encontrar as respostas para os
novos desafios que se apresentam diante da mensagem cristã.
O teólogo pensante aceita a
dinâmica da existência e procura compreendê-la para poder manter-se em diálogo,
sem pretensões de dominar ou impor sua posição, consciente de que ele contribui
com seu saber na construção desse imenso caminho que é busca pela Verdade que Deus nos oferece por
meio de sua Revelação.
Ele também aceita as
contradições e impasses que se apresentam no diálogo entre os saberes
teológicos das diferentes tradições religiosas entre si e com outros campos do
saber. Ele sabe que não há respostas prontas ou fáceis para essas dificuldades,
mas isso não o faz fechar-se em seu próprio mundo.
O teólogo pensante está sempre
em busca, animado por uma fé inquieta, que o lança sempre para frente, para
novos horizontes, aprendendo com tudo e todos que vieram antes dele, utilizando
criticamente todo o conhecimento adquirido em vista da produção de novos
conhecimentos.
O teólogo pensante não quer
convencer, mas dialogar. Ele não quer só falar, mas também sabe escutar para
aprender com a experiência e o conhecimento produzido pelos outros. Isso não quer
dizer que ele não tem suas posições e convicções, mas não está fechado nelas,
aceitando revê-las e aprofundá-las criticamente na medida em que novos
contextos e saberes se apresentam.
Para o fundamentalista ilustrado
o conhecimento acumulado é a garantia de suas certezas e um instrumento de
defesa diante dos novos contextos que possam se apresentar diante dele. Para o
teólogo ilustrado o conhecimento acumulado é fonte inspiradora para a busca de
novos caminhos de diálogo com os novos contextos atuais, base para produção de
novos saberes, auxílio no processo de discernimento do que Deus está nos
falando nesses novos tempos em que vivemos.
Acredito que esses breves
pensamentos podem servir como uma boa provocação para você, cara leitora e caro
leitor, no desejo de que sejamos pensantes e não somente ilustrados, em vista
de um pensamento teológico que seja autenticamente cristão e dinâmico para a
Igreja e para o mundo.
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