domingo, 22 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte IV)


Nesta postagem vamos concluir essa série de reflexões que estamos fazendo procurando dar algumas respostas a todas as questões que foram surgindo nesse caminho.
Essas foram as questões que deixamos em aberto na postagem passada: existe algo de bom na cruz? Como pode haver salvação na morte de cruz de Jesus?[1]
O Novo Testamento nos apresenta quatro caminhos explicativos usados pelos primeiros cristãos para tratar dessas questões. Eles buscam no Antigo Testamento os elementos interpretativos para tentar explicar a salvação por meio da cruz de Jesus.
Um caminho é o do sacrifício de Jesus. A carta aos Hebreus, especialmente, utiliza essa linguagem: a morte de Jesus na cruz foi seu sacrifício que, diferente dos outros sacrifícios, foi aceito por Deus e por isso pode trazer salvação. O Novo Testamento traz várias passagens sobre a pessoa de Jesus e sua missão em linguagem cultual sacrifical.[2] A instituição do sacrifício, tanto no Antigo como no Novo Testamento, é uma das instituições que tem por objetivo solucionar o problema de como vencer a infinita distância que separa o homem de Deus. Desse modo, a morte de cruz de Jesus é interpretada dentro desse universo de sentido.
Outro caminho é o da nova aliança. O tema da aliança entre Deus e os homens é central no Antigo Testamento. Essa aliança era selada com “sangue”, por isso se associou a cruz de Jesus com o tema da aliança: seu sangue é o sangue da nova aliança predita por Jr 31,31-34. Essa explicação inclui a salvação que o tema do sacrifício produz, ou seja, o tema do perdão dos pecados, entretanto, essa nova aliança vai além, pois se trata de uma nova forma de vida, é plenitude da fé, a confissão firme da esperança, da caridade e das boas obras.[3]
O servo de Javé de Isaías é outro caminho explicativo adotado para tratar da salvação que a cruz de Jesus traz.[4] O Novo Testamento usa frequentemente partes das passagens do servo sofredor para explicar realidades importantes referentes às escolhas e à missão terrena de Jesus.[5] Jesus, como Filho de Deus, era inocente, os sofrimentos que carregou são os que outros deviam carregar e, desse modo, seu sofrimento se converte em salvação para os outros.
Além dos temas já tratados, ainda resta o quarto caminho que é o desenvolvido por Paulo. Para ele a cruz é a forma de remeter os cristãos a Jesus de Nazaré e de corrigir e criticar desvios.[6] Portanto, a pregação do crucificado é essencial, pois dela depende a verdade da fé. Ela também é salvífica porque, exatamente por ser escandalosa, a cruz pode se constituir em autêntica “revelação” de Deus. Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo acentua o aspecto salvífico da cruz, explicando em que consiste a salvação da cruz.[7] Paulo também proclama agradecidamente o fato de que, pela cruz de Jesus, a fraqueza máxima se transformar em força, a pobreza em riqueza, o egoísmo em descentramento, a divisão em reconciliação, o negativo em positivo.
O que podemos tentar concluir de tudo isso? Qual (ou quais) resposta(s) podemos encontrar para as perguntas que levantamos até o momento? Gostaria de apresentar duas perspectivas que considero muito significativas para essa reflexão e que acredito que podem ser respostas provocativas para nossa vida cristã.
Diante de tudo o que apresentamos, está claro que o Novo Testamento não afirma que é o sofrimento doloroso na cruz que produz salvação ou que só há salvação porque houve o sofrimento de Jesus.
O que fica evidente, em primeiro lugar, é que Jesus com toda sua vida foi agradável a Deus, ou seja, apareceu o agradável a Deus entre nós porque apareceu uma vida vivida no amor até o fim. Por isso Jesus na cruz foi aceito por Deus, assim como os sacrifícios têm que ser agradáveis a Deus para serem aceitos por Ele.
Deus não se compraz e nem exige o sacrifício da cruz de Jesus. É a totalidade da vida de Jesus, da encarnação a cruz, que é agradável a Deus. É a encarnação verdadeira de Jesus, num mundo de pecado, que o leva à cruz, e a cruz é o produto de uma encarnação verdadeira.
O salvífico consiste em ter aparecido sobre a terra o que Deus quer que seja o ser humano.[8] O Jesus fiel até a cruz é salvação: é a revelação do homo verus (“O ser humano verdadeiro”). Essa revelação do ser humano verdadeiro é boa notícia e por isso já é em si mesma salvação, pois por meio de Jesus e de sua cruz sabemos quem somos.
O verdadeiro amor atravessa o sofrimento, pois quem ama enfrenta obstáculos. Quem tenta exercer a misericórdia para com os outros e salvá-los tem que estar disposto a sofrer. A morte de Jesus na cruz está dentro dessa dinâmica do amor.
Justamente porque os seres humanos puderam ver o amor sobre a terra na totalidade da vida de Jesus, saber o que eles são e o que devem e podem ser, a cruz de Jesus, como culminação de toda sua vida, pode ser compreendida salvificamente.
Antes de concluir, é preciso dizer que a cruz de Jesus também nos revela algo sobre Deus.
A vida e a cruz de Jesus não eram para fazer mudar a atitude de Deus em relação aos seres humanos. O próprio Novo Testamento diz, audaciosamente, que o próprio Deus tomou a iniciativa de se fazer presente em Jesus.
Jesus é iniciativa de Deus e a cruz (escandalosamente) também é: “Deus entregou seu próprio Filho por nós”.[9] Jesus é o sinal histórico no qual Deus expressa seu irrevogável desejo salvífico em relação a nós. É o amor que salva e a cruz é expressão máxima do amor de Deus.[10] A cruz de Jesus marca a iniciativa e a credibilidade do amor de Deus.
Não sabemos por que Deus escolheu esse caminho, se haveria outro melhor, mas o que não se pode negar é a força desse caminho como testemunho do seu amor.
Por que Jesus morre? A resposta que conseguimos encontrar é a resposta do amor total pela humanidade: um Deus conosco (encarnação), um Deus para nós (sua vida), um Deus a mercê de nós (sua paixão e morte de cruz).




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] 1 Cor 5,7; Ap 5,9; Rm 3,25; 5,9; Ef 1,7; 2,13.
[3] Hb10,22-24.
[4] Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-11; 52,13 – 53,12.
[5] Mt 12,18-21; 11,10; Jo 1,32-34; Mt 3,17; Jo 8,12; Lc 4,18, 7,23 etc.
[6] Gl 3,1; 1Cor 1,17-18.
[7] 2 Cor 5,15; 8,9; 13,4; 5,19.
[8] Mq 6,8.
[9] Rm 3,28; cf. Jo 3,16.
[10] Rm 8,32; Jo 3,17.

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