Antes
de dizer qualquer outra coisa, gostaria de recordar as questões levantadas na
postagem passada e que ainda estamos tentando responder: acabando com os ricos,
acabamos com a pobreza? Ser rico é uma coisa ruim? Como enfrentar o problema da
pobreza? E os ricos e a riqueza, como ficam em relação a toda essa situação?
Quero
começar apresentando alguns dados. Segundo vários sites de notícias,[1] pude levantar as seguintes
informações:
- 5 (cinco)
bilionários brasileiros têm mais dinheiro que a metade mais pobre do país.
- No mundo,
82% de toda a riqueza gerada em 2017 ficou nas mãos do 1% mais rico da
população, enquanto 3,7 bilhões de pessoas não obteve nada.
- Os 1% mais
ricos concentra 28% de toda a renda no Brasil.
- Os
super-ricos (0,1% da população brasileira hoje) ganham em um mês o mesmo que
uma pessoa que recebe um salário mínimo (937 reais) - cerca de 23% da população
brasileira - ganharia trabalhando por 19 anos seguidos.
Esses
dados revelam uma brutal desigualdade na distribuição da riqueza tanto no
Brasil como no mundo. Esses dados devem nos fazer pensar que algo não está
certo, algo está faltando, algo deveria ser feito para tornar essa situação
mais justa.
Riqueza
significa que alguém tem acumulado mais do que precisa para viver. Independente
dos meios utilizados para adquiri-la, a riqueza é sinal de um excesso e esse
excesso vai fazer falta em algum lugar pelo simples fato de que não existe
excesso suficiente para todo mundo, porque o mundo não possui riquezas em
excesso suficientes para todos.
Não
quero demonizar as pessoas ricas como se ser rico fosse sinônimo de ser
egoísta, ser uma pessoa má, ser uma coisa ruim. Entretanto, não dá para olhar
esses dados acima e ficarmos indiferentes!
Como
cristãos, voltemos mais uma vez o nosso olhar para Jesus e seus discípulos para
tentarmos ver quais foram as pistas que eles nos deixaram para lidar com essa
realidade.
Nos
textos do Novo Testamento podemos encontrar várias passagens sobre como os
cristãos deveriam lidar com a riqueza, com os bens, e os cuidados que deveriam
ter, ou seja, podemos descobrir uma ética para lidar com essa realidade.
Já
vimos na postagem anterior a questão da renúncia, do desapego, da liberdade
diante da riqueza para poder seguir Jesus. Em outros textos Deus se apresenta
como aquele que vem em favor dos pobres,[2] mas para com os ricos Ele
se mostra severo e exigente,[3] inclusive com duras
ameaças.[4] A riqueza é passageira[5] e pode sufocar a semente
da vida nova que o Evangelho semeou em nosso coração.[6] As pessoas que vivem em
busca de riquezas acabam se tornando presas do Mal.[7] Por isso, a orientação
para os ricos é a partilha, a generosidade solidária,[8] não colocar sua confiança
na riqueza, mas saber empregá-la bem.[9]
Essas
orientações podem ser muito bem atualizadas entre nós. Porque a questão aqui
não é a riqueza em si ou ser rico, mas a falta de uma ética que oriente a justa
distribuição dessa riqueza para que “não haja necessitados entre nós” (At
4,34).
Quero
recordar ainda um dos Pais da Igreja, João Crisóstomo (século IV d.C.), que
comentando um trecho do Evangelho segundo Mateus, disse: “Queres honrar o Corpo
de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos
pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda,
enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o meu
Corpo’, [...] também afirmou: ‘Vistes-Me com fome e não me destes de comer’, e
ainda: ‘Na medida em que o recusastes a um destes meus irmãos mais pequeninos,
a Mim o recusastes’. [...] De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo
com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de
comer a quem tem fome, e depois ornamenta a sua mesa com o que sobra”.[10]
É
preciso que entendamos que não se trata de simplesmente fazer sopão para
distribuir, ou organizar feiras para os pobres no final do ano. Os cristãos
devem ser os primeiros a se comprometer na busca por meios que permitam
transformar de forma duradoura a realidade que apresentamos no início desse
texto. Esses meios encontram-se no compromisso político e social, lutando por políticas
públicas, projetos de desenvolvimento econômico e social, criação de leis, que
favoreçam uma real distribuição de renda que permita a todos ter uma vida digna
com direito ao trabalho, à saúde, à educação, ao transporte, à alimentação, à
moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social.[11]
Talvez
o grande desafio para todos nós seja saber compartilhar, transformar a riqueza
que acumulamos em um meio para transformar a realidade tornando-a mais justa e
solidária. Isso exige uma conversão profunda dos valores que carregamos no
coração, pois todos somos tentados a acumular, a sermos egoístas, a nos
apegamos as coisas, inclusive as pessoas pobres também desejam ser ricas. É uma
tentação presente no coração humano, a tentação do acumular, do “ter”.
Sei
que isso pode parecer utópico, mas me parece que essa é a proposta do Evangelho
de Jesus. A riqueza em si não é má se ela se torna um benefício para todos.
Porém, quando ela se torna uma finalidade em si mesma, a riqueza gera
injustiça, sofrimento e morte, pois as pessoas são instrumentalizadas em vista
da riqueza.
O
que o Evangelho de Jesus destaca é que as pessoas devem estar no centro e tudo
mais deve estar a serviço da promoção da vida das pessoas. Então, tentando
responder a pergunta: acabando os ricos, acaba a pobreza? Eu digo que não! O
que acaba com a pobreza é a mudança dos valores que trazemos em nosso coração e
que orientam o uso da riqueza. Um coração egoísta e avarento, apegado ao poder
e ao prazer, jamais buscará uma transformação política, social e econômica em
vista de colocar as riquezas a serviço da vida das pessoas. Um coração movido
pelos valores do Evangelho de Jesus, ou seja, por uma ética do valor da vida
humana, saberá que não precisa acumular bens, que a riqueza que conquistou deve
ser colocada a serviço da promoção de uma vida digna para todas as pessoas.
Um
provérbio no Antigo Testamento expressa bem o desejo de alguém que não quer
sofrer com a pobreza, mas também não que ser seduzido pela riqueza. O autor
pede a Deus: “Afasta de mim a falsidade e a mentira, não me dês nem pobreza nem
riqueza” (Pr 30,8).
Portanto, para acabar
com a pobreza deve-se solidarizar a riqueza, e se solidarizarmos a riqueza não existirão
nem ricos nem pobres, existirão irmãos e irmãs. Esse me parece ser o caminho da
Boa Notícia de Jesus!
[1]
Época Negócios: http://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2018/01/5-bilionarios-brasileiros-tem-mais-dinheiro-que-metade-mais-pobre-do-pais.html
Acesso 28 de jan. 2018.
G1 Economia: https://g1.globo.com/economia/noticia/1-mais-ricos-concentram-28-de-toda-a-renda-no-brasil-diz-estudo.ghtml
Acesso 28 de jan. 2018.
El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.html
Acesso 28 de jan. 2018.
[2]
Lc 4,18
[3]
Lc 1,53
[4]
Lc 6,24; Tg 5,1-6
[5]
I Cor 7,29-31; I Tm 6,7; I Tg 1,11
[6]
Mt 13,22
[7]
I Tm 6,9-10
[8]
Lc 19,8; At 2,44-45; II Cor 9,6-15; Gl 6,6; Fl 4,10-20; I Tm 6,18; Hb 13,16
[9]
I Tm 6,17-18; I Jo 3,17-18
[10]
Cf. São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de Mateus, 50, 3-4: PG 58,
508-509.
[11]
Esses são alguns dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição
Brasileira de 1988.
A questão que se estar posta é: nessa sociedade capitalista, onde o ter se sobrepõe ao ser, é preciso a resistência, o engajamento político, os rompimentos com as prenoções, e entrar na luta para que todos possam SER com dignidade e TER o que precisam para uma vida digna.
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