"Cabe a todos os batizados inventar para o mundo de hoje o que é a encarnação, a presença real de Jesus Cristo, de modo que os nossos contemporâneos possam encontrá-lo. Não são os discursos magisteriais que podem responder a esse desafio, porque esses discursos serão sempre percebidos como 'exteriores'".
A opinião é do Groupe Paroles, sociedade de personalidades e intelectuais católicos franceses como Guy Aurenche, Jean-François Bouthors, Jean Delumeau,Laurent Grzybowski, Monique Hébrard, Elena Lasida, Paul Malartre, Jean-Pierre Rosa, Gérard Testar. O texto foi publicado no jornal La Croix, 26-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As estatísticas são obstinadas. As que medem a presença cristã na sociedade francesa repetem a mesma coisa: aquilo que os cristãos celebram todos os domingos não interessam à imensa maioria dos nossos contemporâneos.
Certamente, existem outras formas de engajamento e outras formas de viver a fé, mas isso não descarta o fato de que aquilo que celebramos como "o mistério da salvação" – que não é somente uma salvação pessoal, mas, cremos, a da humanidade! – não parece ter, a seu ver, nenhuma incidência nas realidades com as quais eles se confrontam.
Em uma época em que as solicitações são múltiplas, das urgências materiais à vastíssima oferta de diversões, aquilo que celebramos como vital é massivamente excluído das prioridades da maior parte dos franceses. Porém, os nossos contemporâneos estão diante das mesmas questões existenciais que nós.
Eles vivem as mesmas experiências, conhecem os mesmos dramas e as mesmas alegrias, são habitados por esperanças e dúvidas semelhantes, diante do estado do mundo, da sociedade, das relações sociais e familiares etc. E, pelo fato de crermos em "Deus, criador do céu e da terra", devemos reconhecer que eles também "nasceram do ato criador de Deus" assim como nós. Mas aquilo que nós demonstramos da fé não lhes parece ser manifestamente determinante para enfrentar realmente aquilo que vivem.
Uma parte do catolicismo, notavelmente na França, parece crer que é suficiente reencontrar o caminho da "religiosidade", retomando uma ritualidade antiga – mais frequentemente herdada do século XIX do que da tradição mais distante. Esse retorno à "religião" reencontra um certo sucesso, porque satisfaz uma "necessidade de crer" muito difundida. Mas como esse retorno para trás pode permitir enfrentar os desafios contemporâneos, o da mundialização e das fortíssimas tensões que nascem do acesso à "maioridade econômica" de um mundo excluído há muito tempo da prosperidade e do crescimento (a China, a Índia, o Brasil e amanhã a África), o da aceleração prodigiosa das capacidades da tecnociência e do seu poder sobre o ser vivo, o do início e do fim da vida, o das desigualdades, o da coexistência das culturas etc.?
Enquanto não encontrarmos a forma de dizer como a postura cristã não regula, mas habita essas questões, não permitiremos que os nossos contemporâneos entendam qual é a "salvação" que afirmamos viver.
Se o cristianismo deixa indiferentes tantos de nossos contemporâneos, isso significa que ele parece ter lhes esquecido da encarnação. É surpreendente ver que a maior credibilidade se encontra hoje do lado daqueles que atuam concretamente a serviço dos mais "pobres"... Mas, à parte da caridade, não faltam os campos em que é importante demonstrar que ser cristão significa dar carne à Palavra neste mundo e manifestar o seu poder interpretativo, a sua força de interrogação com relação aos desafios dos tempos. Isso significa ocupar-se mais do que está em jogo na contemporaneidade, à luz da inteligência dessa Palavra.
Isso não significa que nós temos respostas prontas, mas que estamos dispostos a fazer a experiência da mais profunda solidariedade humana nesses desafios, a de quem escuta e leva as aspirações dos homens e assume as suas imperfeições, os seus balbucios, os seus erros diante das tensões, para fazer com que as respostas dadas não sejam de violência, despersonalizadas, contrárias à dignidade humana.
Essa solidariedade, da qual Jesus Cristo é sinal vivo, diz que a salvação não se encontra em buscar uma perfeição outra do que a que consiste em assumir, ao mesmo tempo, a imperfeição do real e todas as nossas respectivas imperfeições.
Nesse sentido, o desafio de se erguer não está nas mãos só dos bispos e dos padres, mas de todos os batizados aos quais compete inventar para o mundo de hoje o que é a encarnação, a presença real de Jesus Cristo, de modo que os nossos contemporâneos possam encontrá-lo. Não são os discursos magisteriais que podem responder a esse desafio, porque esses discursos serão sempre percebidos como "exteriores".
Ao contrário, o que cabe ao Magistério é inventar as novas modalidades da sua responsabilidade, para acompanhar e iluminar os batizados, a fim de que não confundam "a Palavra" com a sua palavra, sempre frágil e imperfeita. Tudo isso pressupõe uma compreensão das situações humanas mais aberta, mais livre, menos assustada...
FONTE: http://www.ihu.unisinos.br
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