domingo, 29 de abril de 2018

A tradição da fé cristã e a questão dos pobres (Parte I)

O pobre Lázaro

O pobre tornou-se tema central na reflexão teológica pós-conciliar na América Latina a partir de Medelín. A situação de sofrimento e de opressão sob regimes autoritários, na segunda metade do século XX em nosso continente, levou grande número de teólogos e teólogas a procurar respostas, a partir da Revelação, para esta realidade.
Entretanto, ainda hoje, mesmo diante da atual situação de pobreza e exclusão em que vivem milhares de brasileiros, muitas pessoas acreditam que a religião não deveria se preocupar com isso ou que o papel da religião deveria restringir-se a atividades assistenciais e a dar apenas conforto espiritual para as pessoas.
É importante destacar que, seguindo a inspiração do Concílio Vaticano II de “retorno as fontes”, uma riqueza inestimável dentro da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja foi reavivada no que diz respeito à compreensão a partir da fé sobre o DIREITO DO POBRE. É seguindo esse caminho da Escritura e da Tradição que iremos apresentar essa temática. Vamos lá![1]

Ø  Antigo Testamento
Começando pelas escrituras encontramos uma profunda consciência solidária diante do pobre e de suas necessidades já no Antigo Testamento: Respeito e bem ao próximo (Ex 20,15-17); justiça no contrato de trabalho e no comércio (Dt 24,14-15); direito de justiça a todos, inclusive o estrangeiro (Dt 24,17-18).
Os profetas denunciam que o culto e a vida religiosa sem justiça aos pobres são vazios, inúteis, e Deus se aborrece deles: Am 5,21-24; Is 1,11-17; 58,3-11; Mq 6,6-8; Jr 7,4-7.
É evidente o condicionamento entre a aliança divina e o respeito pelo direito do pobre dentro da tradição do A.T.

Ø  Novo Testamento
Aqui encontramos Jesus que proclama o direito do pobre, mas também proclama o amor que realiza este direito, indo muito além das exigências da justiça. Por exemplo: usar os bens transitórios para um dia alcançar os bens eternos (Lc 16,10-12); não se pode servir a dois senhores (Lc 16,13).
Os pobres são cidadãos do Reino com mais facilidade que os ricos, pois estes são estranhos ao Reino, pois a riqueza cega é uma verdadeira forma de idolatria. A saída para os ricos é partilhar “as riquezas injustas” (Lc 16,9.11): injustas porque foram mal adquiridas (Lc 19,1-10), ou porque excedem as verdadeiras necessidades de seus detentores.
O N.T. nos mostra que Cristo é pobre, e é o pobre quem nos julgará (Mt 25,31-46; Tg 5,1.4).
O pobre numa visão positiva: tanto o A.T. como o N.T. apresentam o “ser pobre” também como uma atitude espiritual, sendo aquele que se contenta com o necessário para viver, que é humilde, que não confia nas riquezas nem exige direitos diante de Deus. Por isso são os prediletos de Deus, como Maria anuncia no Magnificat (Lc 1,52-53). Deus escolheu os pobres (Tg 2,5), tanto é que para ser discípulo de Jesus a pobreza é uma condição apresentada nos evangelhos (Mt 19,16-30; Mc 10,17-31; Lc 18,18-30). Temos, então, duas perspectivas: os pobres que o são porque deixaram tudo para dar um testemunho ao mundo dentro do discipulado de Jesus; e temos os pobres que o são porque partilham de seus bens mantendo apenas o necessário para viver (Lc 6,20.24).

Ø  Patrística
O pensamento dos padres é audacioso neste tema do direito do pobre. Eles entendem que a riqueza pertence aos pobres e aquele que a possui é apenas seu administrador.
-          “Não deverás repelir o indigente. Terás tudo em comum com o teu irmão e não dirás que um bem é teu, porque, se se partilham os bens imortais, quanto mais devem ser partilhados os bens passageiros” (Doutrina dos Doze Apóstolos, sec. II).
-          “Aquele que despoja um homem de sua roupa é ladrão. O que não veste a nudez do indigente, quando pode fazê-lo, merecerá outro nome? O pão que guardas em tua despensa pertence ao faminto, como pertence ao nu o agasalho que escondes em teus armários. O sapato que apodrece em tuas gavetas pertence ao descalço, ao miserável a prata que ocultas”. (S. Basílio).
-          “Não é teu o bem que distribuis ao pobre. Devolves a ele apenas a parte do que lhe pertence, porque usurpas para ti sozinho aquilo que foi dado a todos, para o uso de todos. A terra pertence a todos. Não apenas aos ricos”.(S. Ambrósio).
Os padres não negam o direito à propriedade, mas revelam-lhe seu sentido. O mundo foi criado por Deus como um dom para todos, porém o pecado distorceu esta relação e, por isso, o uso comum dos bens da criação tornou-se impossível devido o egoísmo no coração humano. Por isso, o que era de direito natural (a apropriação social) decaiu para a apropriação pessoal (derrogação da lei natural devido o pecado).
-          “A terra foi dada em comum a todos os homens; ninguém considere próprio aquilo que, além do necessário, foi retirado do acervo comum por meio da violência” (S. Basílio).
-          “O uso comum de tudo que há neste mundo destinava-se a todos, porém, devido à iniquidade, um disse que isto era seu e outro disse que aquilo era dele e assim fez-se a divisão entre os mortais” (S. Clemente).
-          “A natureza produziu seus bens em profusão, oferecendo-os em comum a todos. Deus ordenou que tudo fosse produzido, gerado, de maneira a servir de alimento a todos e a terra fosse como propriedade comum de todos. O bem privado é assim fruto de usurpação” (S. Ambrósio).
-          “Se desses do que é teu, seria liberalidade; como dás do que é dele (Jesus presente no pobre), é uma simples restituição” (S. Agostinho).
Todos estes textos querem dizer “[...] que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem o direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo. Quando a outros falta o necessário” (Populorum Progressio, n. 23).
Vamos ficando por aqui! Na próxima postagem continuaremos expondo brevemente como essa temática apareceu no período escolástico e contemporâneo.




[1] O que apresento a seguir é uma síntese feita a partir da obra: BIGO, Pierre; ÁVIA, Fernando Bastos. Fé cristã e o compromisso social: elementos para uma reflexão sobre a América Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. 2a ed., São Paulo: Paulinas, pp. 159-227, 1983.

domingo, 22 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte IV)


Nesta postagem vamos concluir essa série de reflexões que estamos fazendo procurando dar algumas respostas a todas as questões que foram surgindo nesse caminho.
Essas foram as questões que deixamos em aberto na postagem passada: existe algo de bom na cruz? Como pode haver salvação na morte de cruz de Jesus?[1]
O Novo Testamento nos apresenta quatro caminhos explicativos usados pelos primeiros cristãos para tratar dessas questões. Eles buscam no Antigo Testamento os elementos interpretativos para tentar explicar a salvação por meio da cruz de Jesus.
Um caminho é o do sacrifício de Jesus. A carta aos Hebreus, especialmente, utiliza essa linguagem: a morte de Jesus na cruz foi seu sacrifício que, diferente dos outros sacrifícios, foi aceito por Deus e por isso pode trazer salvação. O Novo Testamento traz várias passagens sobre a pessoa de Jesus e sua missão em linguagem cultual sacrifical.[2] A instituição do sacrifício, tanto no Antigo como no Novo Testamento, é uma das instituições que tem por objetivo solucionar o problema de como vencer a infinita distância que separa o homem de Deus. Desse modo, a morte de cruz de Jesus é interpretada dentro desse universo de sentido.
Outro caminho é o da nova aliança. O tema da aliança entre Deus e os homens é central no Antigo Testamento. Essa aliança era selada com “sangue”, por isso se associou a cruz de Jesus com o tema da aliança: seu sangue é o sangue da nova aliança predita por Jr 31,31-34. Essa explicação inclui a salvação que o tema do sacrifício produz, ou seja, o tema do perdão dos pecados, entretanto, essa nova aliança vai além, pois se trata de uma nova forma de vida, é plenitude da fé, a confissão firme da esperança, da caridade e das boas obras.[3]
O servo de Javé de Isaías é outro caminho explicativo adotado para tratar da salvação que a cruz de Jesus traz.[4] O Novo Testamento usa frequentemente partes das passagens do servo sofredor para explicar realidades importantes referentes às escolhas e à missão terrena de Jesus.[5] Jesus, como Filho de Deus, era inocente, os sofrimentos que carregou são os que outros deviam carregar e, desse modo, seu sofrimento se converte em salvação para os outros.
Além dos temas já tratados, ainda resta o quarto caminho que é o desenvolvido por Paulo. Para ele a cruz é a forma de remeter os cristãos a Jesus de Nazaré e de corrigir e criticar desvios.[6] Portanto, a pregação do crucificado é essencial, pois dela depende a verdade da fé. Ela também é salvífica porque, exatamente por ser escandalosa, a cruz pode se constituir em autêntica “revelação” de Deus. Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo acentua o aspecto salvífico da cruz, explicando em que consiste a salvação da cruz.[7] Paulo também proclama agradecidamente o fato de que, pela cruz de Jesus, a fraqueza máxima se transformar em força, a pobreza em riqueza, o egoísmo em descentramento, a divisão em reconciliação, o negativo em positivo.
O que podemos tentar concluir de tudo isso? Qual (ou quais) resposta(s) podemos encontrar para as perguntas que levantamos até o momento? Gostaria de apresentar duas perspectivas que considero muito significativas para essa reflexão e que acredito que podem ser respostas provocativas para nossa vida cristã.
Diante de tudo o que apresentamos, está claro que o Novo Testamento não afirma que é o sofrimento doloroso na cruz que produz salvação ou que só há salvação porque houve o sofrimento de Jesus.
O que fica evidente, em primeiro lugar, é que Jesus com toda sua vida foi agradável a Deus, ou seja, apareceu o agradável a Deus entre nós porque apareceu uma vida vivida no amor até o fim. Por isso Jesus na cruz foi aceito por Deus, assim como os sacrifícios têm que ser agradáveis a Deus para serem aceitos por Ele.
Deus não se compraz e nem exige o sacrifício da cruz de Jesus. É a totalidade da vida de Jesus, da encarnação a cruz, que é agradável a Deus. É a encarnação verdadeira de Jesus, num mundo de pecado, que o leva à cruz, e a cruz é o produto de uma encarnação verdadeira.
O salvífico consiste em ter aparecido sobre a terra o que Deus quer que seja o ser humano.[8] O Jesus fiel até a cruz é salvação: é a revelação do homo verus (“O ser humano verdadeiro”). Essa revelação do ser humano verdadeiro é boa notícia e por isso já é em si mesma salvação, pois por meio de Jesus e de sua cruz sabemos quem somos.
O verdadeiro amor atravessa o sofrimento, pois quem ama enfrenta obstáculos. Quem tenta exercer a misericórdia para com os outros e salvá-los tem que estar disposto a sofrer. A morte de Jesus na cruz está dentro dessa dinâmica do amor.
Justamente porque os seres humanos puderam ver o amor sobre a terra na totalidade da vida de Jesus, saber o que eles são e o que devem e podem ser, a cruz de Jesus, como culminação de toda sua vida, pode ser compreendida salvificamente.
Antes de concluir, é preciso dizer que a cruz de Jesus também nos revela algo sobre Deus.
A vida e a cruz de Jesus não eram para fazer mudar a atitude de Deus em relação aos seres humanos. O próprio Novo Testamento diz, audaciosamente, que o próprio Deus tomou a iniciativa de se fazer presente em Jesus.
Jesus é iniciativa de Deus e a cruz (escandalosamente) também é: “Deus entregou seu próprio Filho por nós”.[9] Jesus é o sinal histórico no qual Deus expressa seu irrevogável desejo salvífico em relação a nós. É o amor que salva e a cruz é expressão máxima do amor de Deus.[10] A cruz de Jesus marca a iniciativa e a credibilidade do amor de Deus.
Não sabemos por que Deus escolheu esse caminho, se haveria outro melhor, mas o que não se pode negar é a força desse caminho como testemunho do seu amor.
Por que Jesus morre? A resposta que conseguimos encontrar é a resposta do amor total pela humanidade: um Deus conosco (encarnação), um Deus para nós (sua vida), um Deus a mercê de nós (sua paixão e morte de cruz).




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] 1 Cor 5,7; Ap 5,9; Rm 3,25; 5,9; Ef 1,7; 2,13.
[3] Hb10,22-24.
[4] Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-11; 52,13 – 53,12.
[5] Mt 12,18-21; 11,10; Jo 1,32-34; Mt 3,17; Jo 8,12; Lc 4,18, 7,23 etc.
[6] Gl 3,1; 1Cor 1,17-18.
[7] 2 Cor 5,15; 8,9; 13,4; 5,19.
[8] Mq 6,8.
[9] Rm 3,28; cf. Jo 3,16.
[10] Rm 8,32; Jo 3,17.

domingo, 15 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte III)


Nas postagens anteriores tratamos da questão “por que mataram Jesus?”. Responder a essa questão é relativamente fácil, pois podemos recorrer ao contexto histórico, à pesquisa sobre Jesus e aos elementos presentes nos Evangelhos que nos permitem ver, mais explicitamente, todo o conjunto de fatores sociais, político e religiosos que desembocaram em sua morte.
Entretanto, a outra questão é um pouco mais delicada, pois por trás dela está um dado da fé dos primeiros cristãos que se refere à identidade de Jesus. O anúncio das protocomunidades cristãs afirmava que Jesus era o messias, Filho de Deus. Isso gerou uma problemática que era a seguinte: se ele é o Filho de Deus por que ele morreu crucificado? Qual a razão da sua morte?[1]
Pode parecer bobagem, mas alguém que foi enviado por Deus, morrer assim, não fazia sentido. “Deus não estava com ele?” Sua morte trágica soaria como um atestado de que ele não era o enviado de Deus, que ele seria um impostor, pois Deus o abandonou na cruz.
Para enfrentar essa questão, os primeiros cristãos precisaram desenvolver uma reflexão que os ajudassem a entender o sentido da morte de Jesus. Vamos fazer juntos esse caminho, mesmo que de forma breve.
Os primeiros cristãos buscaram nas Escrituras (Antigo Testamento) luzes para entender a morte de Jesus. Uma primeira perspectiva que surgiu foi ver a cruz como o destino de um profeta.[2] Essa explicação é compreensível, pois está baseada na própria tradição de Israel e iluminava as primeiras perseguições vividas pelas comunidades cristãs. Essa explicação unia o destino de Jesus e o destino dos profetas, ao mesmo tempo em que associava também as comunidades a esse destino.
Outro caminho para tentar responder ao “por que Jesus morreu” foi afirmar que a cruz era necessária.[3] Apelou-se em última instância para Deus, para que ao menos em Deus a cruz tivesse sentido. Essa postura parte da honestidade das comunidades de que não se conseguia entender a tragédia que se abateu sobre Jesus e que só Deus saberia dizer algo. Por outro lado, esse discurso mostra a teimosia destas mesmas comunidades em manter a esperança, afirmado que deve haver algum sentido no que aconteceu com Jesus mesmo que não saibamos ou consigamos entender.
Entretanto, se aceitarmos a explicação da cruz apelando para o mistério de Deus, para Sua vontade, ou seja, Jesus morreu porque foi a vontade de Deus, naturalmente surge outra pergunta: POR QUE JESUS MORREU DESSA FORMA E NÃO DE OUTRA?
Essa pergunta se torna importante se lembrarmos que o Deus cuja vontade foi a morte de Jesus na cruz não é qualquer Deus. Tanto para os judeus como para Jesus, Deus é bom, liberta os oprimidos, defende a vida do justo, quer a vinda do Seu reino; é um Deus a quem Jesus chama de “abba” (“painho”). Por isso, o Novo Testamento vai nos apresentar a busca dos primeiros cristãos pelo sentido da cruz na morte de Jesus. Em outras palavras, procura-se responder a uma nova questão: EXISTE ALGO DE BOM NA CRUZ, JÁ QUE ESSE FOI O DESÍGNIO DE UM DEUS BOM?
A resposta formal que geralmente ouvimos quando perguntamos isso a um cristão fiel é que a cruz de Jesus é algo sumamente bom por seus efeitos sobre a humanidade, ou seja, porque pela cruz de Jesus Deus nos salvou. Porém precisamos aprofundar um pouco melhor o sentido dessa afirmação. É preciso esclarecer o que há especificamente na cruz que a torna mediação de salvação e remissão dos pecados, em outras palavras, como pode haver salvação na morte de cruz de Jesus.
Vamos procurar responder a essas questões na última postagem dessa série próxima semana.




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] 1 Ts 2,14s; Rm 11,3; Mt 23,37; Mc 12,2s.
[3] Lc 24,26; Mc 8,31; At 2,23; 4,28.

domingo, 8 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte II)

Julgamento no Sinédrio
Ao olharmos para a morte de Jesus nos deparamos com duas forças que se movimentam para levá-lo a morte: as autoridades religiosas e o poder político romano. Isso aparece quando observamos os dois processos pelos quais Jesus passa antes de ser morto crucificado.
Jesus é morto mediante dois julgamentos: um religioso e outro político.[1]
O julgamento religioso ocorre porque Jesus entra historicamente em conflito com os líderes religiosos de seu tempo e, por isso, será também condenando teologicamente em nome de Deus. Ele foi acusado de blasfêmia e de ameaçar destruir o Templo,[2] porém ao examinarmos melhor como Jesus desenvolveu seu ministério, parece ser mais sensato concluir que os membros da casta sacerdotal estavam irritados por ver que Jesus se erigia em reformador religioso dos usos cultuais vigentes em seu tempo, questionando a posição e a interpretação oficial.
Jesus diante de Pilatos
No julgamento político, Pilatos vê em Jesus um líder popular que, como outros, poderia começar um levante e isso o tornava uma ameaça. Os Evangelhos tratam desse processo político de forma mais “branda”, quase que aliviando a responsabilidade do poder político romano sobre a morte de Jesus,[3] porém os dados históricos sobre a administração de Pilatos na Judeia permitem conhecer um personagem diferente do que aparece nos Evangelhos. Pilatos era duro e rápido em reprimir qualquer suspeita de rebelião. Ele não distinguia entre movimentos armados ou movimentos proféticos populares como o de Jesus. Para ele todos poderiam ser movimentos de oposição ao domínio romano e, portanto, uma ameaça de revolta popular.
As acusações que os Evangelhos apresentam no processo de Jesus diante de Pilatos permitem entrever como as autoridades romanas viam qualquer movimento suspeito: como algo politicamente perigoso, com discursos subversivos, e como uma possibilidade de rebelião contra a dominação romana.
O que confirma essa perspectiva do julgamento político é que Jesus morre crucificado como um malfeitor político. Morre com o tipo de morte que só o poder político romano podia dar. O tipo de morte que era aplicada àqueles que eram considerados uma ameaça para a ordem política romana.
Por que mataram Jesus? Por seu tipo de vida, pelo que disse e pelo que fez.
As autoridades religiosas e a aristocracia judaica julgaram e mataram Jesus em nome de Deus, em nome da daquilo que eles achavam que era a vontade de Deus, para manter a pax romana controlando todo e qualquer movimento que pudesse se tornar problemático, para manter o status da religião que lhes garantia poder e prestígio.
O poder político também julgou e matou Jesus em nome de seu “deus”, o imperador César, porque seu movimento foi identificado como potencialmente perigoso, para evitar qualquer possibilidade de problemas com o seu grupo, enfim, por ele ser considerado “inimigo de César”.
A morte de Jesus não foi um erro. Ela foi consequência de sua vida. E a vida de Jesus foi consequência de sua encarnação concreta, ou seja, ele encarnou-se em um mundo e em uma história que geram exclusão e morte. Ao tomar partido em defesa das vítimas desse mundo e dessa história, ele assumiu as consequências.
Jesus foi morto porque ele incomodava com suas ações e com sua palavra. E quando alguma coisa incomoda logo procuramos um jeito de nos livrarmos dela!
Foi por tudo isso que mataram Jesus!
Resta-nos ainda outra questão: por que Jesus morreu?
Vamos continuar falando sobre isso na próxima postagem.




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] Blasfêmia: cf. Mt 26,64; Mc 14,62; Lc 22,67; Jo 10,24. Sobre o templo: cf. Mt 26,61; Mc 14,68; Jo 2,19.
[3] Muitos estudiosos entendem que essa atitude presente nos Evangelhos reflete o contexto da época em que estes foram escritos. Seus autores (que escreveram entre os anos 60 e 90 d.C. os Evangelhos) teriam procurado evitar polemizar com as autoridades romanas, pois as comunidades já estavam sofrendo represálias da parte poder romano. Entretanto, documentos da época e a obra de Josefo oferecem interessantes informações sobre a personalidade e as ações de Pilatos na Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. que nos permitem sustentar essa linha de pensamento.

domingo, 1 de abril de 2018

Por que mataram Jesus? Por que Jesus morreu? (Parte I)

Cena do Filme: A Paixão de Cristo
Nesses dias o mundo cristão católico celebrou a Semana Santa. Nela somos inseridos na dinâmica da vida, morte e ressurreição de Jesus. Procissões, confissões, celebrações, novos cristãos são acolhido na comunidade pelos ritos de iniciação, momentos de reflexão e oração, tudo isso torna esses dias um momento intenso de experiência de fé. São tantas coisas acontecendo que, muitas vezes, não conseguimos aprofundar nosso olhar sobre o que estamos celebrando.
Gostaria de pensar com você, caro leitor e leitora, sobre um dos pontos centrais diante do qual somos colocados nesses dias: a morte de Jesus![1]
Sim, isso mesmo, Jesus morreu! Morreu de verdade, como todos nós morremos!
Como ele morreu? De uma morte violenta: crucificado, nú, após ser torturado e humilhado publicamente.
Podemos nos questionar: mas Ele não era bom? Ele não veio em nome de Deus? Ele não passou a vida fazendo o bem?[2] Por que mataram Jesus?
Para entendermos por que mataram Jesus, precisamos entender pelo quê Jesus viveu.
Jesus viveu pelo anúncio do Reino de Deus, que não era uma ideia abstrata para um futuro distante, mas uma esperança que o povo de Israel carregava em seu coração, no desejo de serem livres da opressão política do Império Romano e de poderem viver suas vidas segundo a Lei de Deus (YHWH).[3]
Jesus disse que o Reino de Deus estava próximo, mas que era preciso uma mudança radical dos valores fundamentais que temos em nosso coração (conversão!) e a acolhida da Boa Notícia que ele veio anunciar (crer no Evangelho).[4]
A boa notícia anunciada por Jesus falava da liberdade para os que estavam cativos, da recuperação da vista aos cegos, da boa notícia anunciada para os pobres, da libertação dos que se encontravam oprimidos, da proclamação de um tempo novo da ação de Deus.[5]
Jesus disse que esse Reino já estava acontecendo no meio deles, mas que eles precisavam abrir os olhos para ver.[6] Ele manifestou isso com sua vida: acolhendo os considerados pecadores naquele tempo com misericórdia;[7] cuidando dos enfermos com compaixão;[8] ensinando sobre a bondade e a justiça de Deus;[9] enfrentando e denunciando aqueles que desejavam manter o controle sobre o povo por meio de um discurso religioso que oprimia e excluía as pessoas do Reino de Deus;[10] subvertendo a lógica das relações de poder das autoridades vigentes que separavam as pessoas e desconsideravam os mais pobres, impedindo-os de viver com dignidade suas vidas.[11]
Entretanto, esse caminho custou a Jesus perseguições por parte das classes dominantes de seu tempo: os grupos aristocráticos sacerdotais do Templo e as autoridades romanas. Esses grupos tem, direta e indiretamente, algum tipo de poder econômico, político, religioso-exemplar, policial-militar e, de algum modo, convergem na perseguição.
Podemos perceber, nos Evangelhos, que Jesus tinha consciência da hostilidade que crescia contra ele nesses grupos. Desde o início de sua vida pública, Jesus enfrentou a oposição[12] e sua vida já estava sob ameaça desde cedo.[13]
Apesar dele não ter seguido o caminho da luta armada para instauração do Reino de Deus como faziam outros líderes que surgiam no meio do povo camponês pobre e explorado da Palestina, nem ter seguido em conformidade com todas as expectativas populares sobre o Reino, mesmo assim, os Evangelhos nos permitem ver que havia uma perseguição real, mantida e progressiva contra ele. Desse modo, o conflito não é algo momentâneo ou acidental na vida de Jesus, por isso ele devia ter consciência de um possível desenlace final trágico para sua vida, especialmente depois do que aconteceu com João Batista.[14]
Jesus sabia que Herodes, o sinédrio e os romanos tinham poder para matá-lo e que a perseguição contra ele poderia levar a isso. Porém, ele manteve-se firme na perseguição, mantendo-se fiel a Deus e ao seu testemunho da misericórdia divina para com os pequeninos. Ele tinha consciência do destino trágico dos profetas que permaneceram fieis a sua missão e via a si mesmo nesse caminho.[15]
A morte de Jesus seguiu um processo que revela mais claramente por que o mataram. Esse processo pareceu dar legitimidade ao que desejavam fazer com Jesus: sua morte. 
Na próxima postagem olharemos esse processo procurando entender por que mataram Jesus.




[1] Como o objetivo desse blog é desenvolver uma reflexão acessível, não é possível fazer uma exposição densa sobre todos os pontos desse tema. Porém, coloco a seguir uma lista bibliográfica a partir da qual essa reflexão se desenvolve. Fica a dica para a pesquisa dos leitores e leitoras:
- BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.
- HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S.. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
- REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2012.
- SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
- SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.
- SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. Tradução: Frederico Stein. São Paulo: Paulus, 2008.
- SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática – v.I. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
- STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
- SOBRINO, Jon.  Jesus, o libertador: I – A história de Jesus de Nazaré. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
- THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
[2] At 10,38.
[3] Essa é uma transliteração do tetragrama sagrado usado pelos judeus como o “nome de Deus”, porém, nunca pronunciado por causa da proibição estabelecida na Lei judaica. Por isso, não se sabe exatamente a pronúncia correta desse nome. A tradução mais aproximada parece ser “Javé”, mas algumas Igrejas, por motivos de interpretação, usam também “Jeová”.
[4] Cf. Mc 1,15.
[5] Cf. Lc 4,18-19.
[6] Cf. Lc 17,21
[7] Mt 9,13; Lc 19,1-10; Jo 8,1-11.
[8] Mc 1,32-34; Mc 3,1-6.
[9] Lc 6,36-38; Lc 10,29-37; Lc 15.
[10] Mt 23,13-28.
[11] Mt 20,24-28; Lc 14,7-11; Mc 2,13-17.
[12] Cf. Lc 4,24; Mc 6,4; Mt 13,57; Jo 4,44.
[13] Cf. Mc 3,6.
[14] Provavelmente Jesus pertenceu ao grupo de João Batista antes de seguir seu próprio caminho. João estava entre os vários líderes populares que reuniam o povo com sua mensagem profética. Segundo Flavio Josefo, historiador judeu que viveu no final do século I e início do século II d.C., Herodes Antipas teria matado João por suspeitar do risco de seu movimento causar problemas. Ver também: Mt 14,13; Mc 6,30.
[15] Cf. Lc 4, 25-27; Lc 11,50; Mt 23,34.37; Lc 13,34; Jo 10,11.15.

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