domingo, 25 de fevereiro de 2018

Práticas quaresmais em tempos de Redes Sociais

Durante a quaresma os cristãos católicos são convidados a viver esse tempo seguindo um caminho de conversão marcado por três práticas: o jejum, a oração e a caridade. No Evangelho segundo Mateus, ao tratar dessas três práticas, aparece uma importante indicação de como realizá-las[1]: não fazer nada disso ostentando ou se exibindo, mas com modéstia e discrição, sem atrair a atenção para si mesmo. Em tempos de redes sociais, com tantas fotos, postagens e vídeos, nos quais as pessoas expõem suas vidas, sua intimidade, o que estão fazendo, onde estão passeando, sua opiniões sobre os mais diversos assuntos, fiquei pensando nessa orientação do Evangelho e de como ela dialoga com esse novo contexto.
No texto do Evangelho, os conselhos de discrição para não atrair para si mesmo a atenção ao fazer a oração, o jejum e a caridade estão no contexto de crítica aos fariseus que gostavam de ser reconhecidos pelo povo como pessoas piedosas e fieis, como modelos de pessoas verdadeiramente religiosas. Essa crítica visava demonstrar que obter os louvores das pessoas por praticar os ensinamentos da religião era um modo de idolatria, pois não se louvava a Deus (razão pela qual se vive a fé), mas se louvava a pessoa numa atitude que alimentava sua vaidade religiosa e gerava certo privilégio social. Isso fazia com que os fariseus fossem tratados como superiores as demais pessoas por serem considerados mais “religiosos” e mais “fieis” com suas práticas.
Jesus, no Evangelho, desmascara essa prática e revela a verdade escondida: quando se faz a oração, o jejum e a caridade para “ser vistos pelos homens”, com o objetivo de obter sua admiração e privilégios, na verdade não se presta um culto verdadeiro a Deus, mas um culto a si mesmo. Por isso, Jesus ensina que o importante é o “Pai que vê o que está escondido”, pois é Ele quem dá a verdadeira “recompensa” aos que praticam sua vontade sem buscar atenção para si mesmos.
Em tempos de redes sociais nos quais parece que tudo o que fazemos e vivemos precisa ser exposto para que as pessoas “curtam”, visualizem, comentem, acredito que esse texto pode nos dar um critério de reflexão sobre essa realidade.
Parece que as redes sociais têm alimentado nas pessoas o desejo de “ser vistos”, de sentir-se notados pelas outras pessoas, de conseguir sua admiração. Temos prazer em saber que outras pessoas nos notam, que elas têm interesse por nós, que elas nos admiram. As redes sociais favorecem tanta interação que temos a impressão (geralmente falsa) de que possuímos muitos amigos, de que todos eles gostam de nós e nos admiram e nos “seguem”, de que estão “ansiosos” para saber o que estamos fazendo ou o que estamos pensando.
Isso tudo cria a ilusão de sermos o “centro” das atenções e, desse modo, começamos a postar de tudo no desejo de obter mais “seguidores”, mais “curtidas” e manter esse “prazer” viciante de estar em destaque. Iludimo-nos pensando que somos importantes para a vida de todas as pessoas, que elas não conseguiriam viver sem nossas “postagens”, quando a verdade é que somos nós que não conseguimos viver sem ser vistos, “visualizados”. Vivemos pelo princípio de que “posto, logo existo”, e não postar seria equivalente a não existir, pois ninguém estaria vendo minha vida. O olhar do outro se torna, dessa forma, o critério da minha existência, o critério do valor que tem a minha própria vida.[2]
A crítica do Evangelho a esse culto do “ego” por meio da exposição do que faço em vista da promoção da minha imagem (que muitas vezes tem por trás uma carência que precisa ser preenchida com amor, mas que está sendo alimentada pelas redes sociais por uma falsa sensação de “ser importante”), nos recorda que somente seremos felizes e completos quando não nos colocarmos no centro, ou seja, não fizermos as coisas buscando as atenções para nós. A verdadeira recompensa vem do amor partilhado, do bem feito ao outro livremente e sem expectativas de reconhecimento, porque nos sentimos felizes pelo simples fato de existirmos e de podermos construir relações livres.
Somos seres sociais, temos necessidade de construir relações para viver, mas para que eu faça isso de forma sadia preciso sair de mim mesmo e ir ao encontro dos outros, não de querer que o outros se voltem para mim. Por isso, as redes sociais podem ser muito boas se vistas e usadas nessa perspectiva, entretanto, a problemática acima apresentada também existe, por isso a crítica apresentada pelo Evangelho se torna útil para cada um de nós, nos ajudando a refletir como nos portamos nesse imenso mundo das redes sociais.
Jesus, ao ensinar que se deve praticar a oração, o jejum e a caridade sem chamar a atenção das pessoas para si mesmo, mas deixar tudo “escondido”, está nos dizendo para não alimentarmos a atitude narcisista que carregamos dentro de nós. É preciso redefinir nossas motivações para tudo o que fazermos a fim de construirmos relações mais livres e solidárias entre nós. Confiar na recompensa do “Pai que vê o que está escondido” é confiar que as atitudes e relações cultivadas nesse espírito de desprendimento podem gerar bons frutos não somente para nós, mas para todas as pessoas.
Dentre as nossas práticas quaresmais, façamos uma reeducação de nossa presença nas redes sociais. Vamos rever como construímos nossas relações com as pessoas e procuremos identificar e fugir do culto ao “ego”. Olhemos para o que é importante segundo a prática de Jesus de Nazaré: o amor gratuito em nossas relações (jejum), a busca pelo bem e pela justiça em favor de todas as pessoas começando pelas mais necessitadas (caridade), a atitude agradecida diante do Pai que “vê o que está oculto” e que nos ama (oração).


[1] Evangelho segundo Mateus, capítulo 6, versículos de 1 até o 6 e do 16 até o 18 (Mt 6,1-6.16-18).
[2] Existem vários artigos científicos disponíveis na internet que tratam dessa temática e alertam para os transtornos de personalidade, casos de isolamento e solidão, depressão, entre outros, consequências da forma como são usadas as atuais redes sociais. Indico o seguinte livro:
YOUNG, Kimberly S.; ABREU, Cristiano Nabuco de. Dependência de Internet: Manual e Guia de avaliação e tratamento. São Paulo: Artmed, 2011.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado! Continue nos acompanhando e compartilhando nosso trabalho. Seu inventivo é importante para nós, pois nos anima a manter esse espaço de reflexão!
      Boa semana!

      Excluir

Postagens anteriores

DESTAQUE DO MÊS

“Teologia Oficial” x Teologia da Libertação: um embate hermenêutico!

Concílio Ecumênico Vaticano II Existe uma discussão no meio teológico movida por questões de compreensão e interpretação da mensagem d...