domingo, 9 de setembro de 2018

Um povo sem memória - Uma nação violenta

Pintura Traição de Judas e Pedro fere o servo Malco
Esta semana que termina foi muito intensa!
Começamos com o terror do incêndio que destruiu o Museu de História Natural do Rio de Janeiro, destruindo obras e materiais insubstituíveis no que se refere à história, à pesquisa arqueológica, à memória, à arte. Por outro lado, terminamos a semana com o trágico atentado contra a vida do candidato a presidência, Jair Bolsonaro, durante uma caminhada no interior de Minas Gerais, perpetrado por um rapaz que parece ter uma posição política radical e oposta à do candidato.
Esses acontecimentos, um abrindo a semana e o outro praticamente fechando a semana, me fizeram pensar um pouco sobre o que estamos vivendo no Brasil e o que podemos dizer, à luz da mensagem cristã, diante desse quadro...
O povo da Bíblia tem como uma de suas fortes características o “fazer memória”, o recontar para conservar, valorizando seu passado e tomando dele o significado e sentido para viver o presente e olhar para o futuro. A celebração da Páscoa Judaica, por exemplo, tem a bela característica de fazer presente o passado do seu povo, recordando sua história de escravidão, sofrimento e de como Deus agiu em seu favor. Desse modo, o povo conserva sua memória e anima sua esperança em Deus como aquele que sempre caminha com seu povo.
Guardar a memória não é um capricho, ou uma questão de valor artístico de algo. Guardar a memória é garantir a identidade, é saber de onde viemos, quem somos hoje e o porquê somos assim hoje, em que acertamos e em que erramos pelo caminho já percorrido, para podermos olhar para o futuro e vermos o que poderemos ser, o que deveremos evitar, o que aprendemos com os erros cometidos, em que precisamos mudar para amadurecermos.
 A destruição do museu é um símbolo para todos nós, um convite para não deixarmos que a nossa memória se perca, pois jamais seremos um povo realmente unido, fraterno, justo, que promove a vida e a dignidade das pessoas, se não tivermos memória do nosso passado, da nossa história. Facilmente cairemos nos mesmos erros já cometidos, escolheremos os mesmo caminhos tortos e confusos da violência e da opressão como meios para solucionar nossos problemas como país, esquecendo que esses caminhos jamais promovem o bem das pessoas.
A violência sofrida pelo candidato, já quase no final da semana, é o sinal simbólico do que afirmamos acima. Alguém acha que com violência se pode resolver o problema que lhe incomoda e parte para o ataque. Discursos de ódio e teorias da conspiração tem ganhado terreno nas redes sociais. Não se discute o que é mais simples e evidente: uma vida humana foi ameaçada pela intolerância, mesmo que tenha sido a vida de alguém que tem um discurso violento e intolerante.
Nos evangelhos é abundante a presença da temática da tolerância e do respeito. Gosto especialmente quando recomenda “pagar o mal com o bem” (cf. Rm 12,21; I Pe 3,9). Acho ousadíssimo esse conselho evangélico, difícil diante do nosso instinto de vingança revestido de uma roupagem de “justiça”. Jesus ensinou com a própria vida isso! Ele foi duro em algumas ocasiões, discutiu e atacou aqueles que faziam oposição a sua mensagem, mas nunca fechou-lhes as portas do diálogo, nem incentivou ninguém a matar em seu nome ou a usar de violência para defendê-lo. No episódio de sua prisão, quando Pedro puxa uma espada (um discípulo armado!!) para defender a vida de Jesus, o próprio Jesus o repreende afirmando que “quem vive pela espada, perece pela espada” (cf. Mt 26,51-52; Jo 18,10-11).
Não podemos, como cristãos, entrar nessa dinâmica de desrespeito pela nossa memória como povo e de acreditar que a violência é o único caminho para resolver os problemas que enfrentamos atualmente em nossos pais. A nossa atitude deve ser a da misericórdia, da justiça, do amor fraterno, da luta pela dignidade humana, assim como Jesus fez e ensinou.
Cada um de nós teremos, durante nossas breves vidas nessa existência, difíceis decisões a tomar, posturas a assumir, escolhas a fazer. Não há opção de vida que não tenha consequências para nós mesmos e para todos os que nos cercam. As escolhas de Jesus pelos pobres, pelos pecadores, pelos pequeninos, em fim, por aqueles que eram tidos por “gente má” pelas classes dominantes de seu tempo, essas escolhas tiveram consequências em sua vida: perseguição, calúnias, exclusão, violência contra sua vida. Entretanto, no devido momento, o Pai dá a resposta e coloca Jesus no posto de Senhor e Juiz da história, tornado-o um escândalo para os que o rejeitaram e perseguiram e um sinal de salvação para os que creram nEle e se deixaram transformar em suas vidas.
Esses dois acontecimentos tem revelado, nesses dias, o que há de escondido em muitos corações e, infelizmente, parece que ainda temos nos deixado levar pelos caminhos da indiferença, do descaso, do ódio e da vingança.
Mantenhamos viva a nossa memória, defendamos nossas riquezas históricas, culturais e artísticas, pois elas nos garantem o amadurecimento de nossa identidade como pessoas e como nação. Defendamos a vida e o direito de viver, independente de nossas simpatias e antipatias, mesmo que seja a vida de alguém que pode, potencialmente, ser uma ameaça para a nossa, pois a vida é um dom precioso.
Procuremos novos caminhos iluminados pela Boa Notícia de Jesus!

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