domingo, 2 de setembro de 2018

O Evangelho da Política segundo Jesus Cristo

Estamos em tempos de eleições e algumas das frases mais comuns que escutamos entre cristãos é que “política não se discute”; “não se mistura religião com política”; “religião não tem nada a ver com política”; “política não presta, é coisa suja, o que eu quero é distância” etc...
É um tipo de reação comum diante do quadro de frustração e decepção que sentimos devido aos vários casos de corrupção que estão aparecendo a cada dia nos noticiários. As pessoas têm adotado e reforçado a ideia de que política não presta, que é uma coisa ruim e que, por isso, deveríamos nos afastar e cada um cuidar da própria vida.
Quando se tenta discutir questões relativas à política na Igreja, muitas pessoas tem a sensação de que se está tocando em algo “impuro”, que “isso” não deveria estar alí, no nosso lugar sagrado.
O problema é que desenvolvemos uma visão distorcida do que é a política e do que é a participação política na sociedade. Reduzimos a política apenas às eleições e ao sistema de governo é não percebermos o nosso papel e participação em toda essa realidade. Ignorar a política não vai mudar o fato de que é por meio da política (seja uma boa política seja uma má política) que todos nós somos governados e que é por meio dela que a vida e a morte de milhares de pessoas são decidias.
Ao nos voltarmos para os Evangelhos e observarmos a vida e as ações de Jesus, somos forçados a voltar nosso olhar para as questões políticas, pois as ações de Jesus tinham elementos políticos e provocaram reações políticas em relação a ele.
Não podemos ser ingênuos em nossa leitura das Escrituras e achar que Jesus e seus discípulos vivam a margem da realidade da Palestina no século I d.C.
O povo de Israel estava oprimido sob o controle político e econômico do Império Romano. Aconteciam revoltas populares e líderes carismáticos, movidos por sua fé no Deus de Israel, organizavam grupos de luta e resistência a essa dominação. Os camponeses sofriam com os pesados tributos e muitos perdiam suas propriedades ou eram vendidos como escravos juntamente com sua família para pagar as dívidas que só cresciam.
No campo religioso e social a vida do povo era regida pela Lei de Moises. Essa Lei era aplicada pelas lideranças religiosas que, por sua vez, deveriam manter o delicado equilíbrio entre a crescente revolta do povo e os interesses do Império Romano. O Sumo Sacerdote tinha, junto com o Grande Conselho (Sinédrio), autoridade para governar o povo judeu no que concerniam seus costumes e tradições, desde que não fizessem oposição ao controle romano.
Desse modo, os líderes religiosos acabavam colaborando para agravar a situação de exploração do povo, além de interpretar e aplicar a Lei de Moisés de forma excludente, jogando a margem religiosa uma parte da população que não se comportava segundo as normas exigidas.
Jesus nasceu, cresceu, viveu e exerceu seu ministério público dentro dessa realidade. Suas palavras e atitudes não se deram à margem desse contexto, ao contrário, elas penetravam nesse contexto, questionavam, criticavam, ofereciam outras perspectivas.
Jesus tomou posição, ou seja, partido por um lado. Não dá para transformar a sociedade sem ter uma posição clara. Os Evangelhos nos oferecem uma perspectiva da posição de Jesus. Isso não é ruim, pois é a partir de uma posição clara que qualquer pessoa pode estabelecer critérios de valor para o todo da realidade que o cerca. Ao fazer isso, Jesus atraiu para próximo de si pessoas e grupos, assim como provocou rejeição e perseguição por parte de outras pessoas e grupos.
Jesus era de uma classe social muito específica, ele era operário (carpinteiro) que vivia em uma vila pobre na Galileia chamada Nazaré. Ele conhecia bem como funcionavam as estruturas de opressão e exclusão política e religiosa de seu tempo.
Ao exercer seu ministério, Jesus mostrou suas posições e valores na prática: andava próximo das pessoas que foram excluídas do sistema social, econômico e religioso ajudando-as a recuperar sua dignidade e sua esperança; criticou os ricos e poderosos de seu tempo por sua ambição, por não reconhecer naqueles que eles exploravam seres humanos que tinham o direito de viver com respeito e dignidade; reinterpretou o discurso religioso que condenava e excluía as pessoas que não se encaixavam nas exigências legalistas das lideranças religiosas, resgatando essas pessoas de uma atitude de medo e distanciamento de Deus por acreditarem que eram indignas de se aproximar de Dele etc.
Para aquelas pessoas que defendem o discurso de que Jesus “veio para salvar a todos”, quero afirmar que é verdade, Ele veio para salvar a todos! Entretanto, ele oferece essa salvação a partir de uma posição clara, do lugar de quem sente na pele e na vida o peso da opressão e da exclusão. Por isso ele aparece exigente com os ricos e poderosos, paciente e compassivo com os pequeninos e fracos. Para ambos Ele oferece a salvação, mas não nas mesmas condições.
Essas posições de Jesus eram posições políticas porque questionavam, criticavam e denunciavam o que estava acontecendo ao seu redor. No Evangelho segundo Lucas encontramos uma lista de “ais” dirigida aos que exploravam o povo e se apoiavam em suas riquezas (cf. Lc 6,24-26); ao criticar o Templo e suas autoridades no Evangelho segundo Mateus (cf. Mt 23,13-31), Jesus denuncia desautoriza a forma como eles interpretavam as Escrituras e oprimiam o povo; ao fazer curas em dia de sábado, que era proibido segundo a interpretação corrente da Lei de Moises (cf. Mt 12,1-14), Jesus oferece outra interpretação baseada na misericórdia e na justiça, devolvendo o direito das pessoas poderem se aproximar de Deus sem medo.  
Desse modo, um forte grupo de opositores o perseguiu até conseguir condená-lo a morte (cf. Mc 3,6). Essa perseguição não foi gratuita, não foi por uma antipatia subjetiva, mas foi porque as posições de Jesus incomodaram, ameaçaram posições de poder e de privilégios, desmascararam aos falsos discursos, desnudando mecanismos de controle e de exploração.
Acho muito estranho que muitos cristãos, nesse momento em que nos encontramos no Brasil, afastem-se da política e deixem que a “sorte” ou o “destino” resolva a situação. Precisamos olhar para Jesus, ao qual seguimos e de quem recebemos o nome de cristãos, e procurar entender quais foram suas posições e escolhas para aprendermos a nos colocar também politicamente nesse contexto atual.
Precisamos ser capazes de olhar para além de nossos interesses pessoais e pensarmos nos pequeninos e pobres que são os que mais sofrem quando não se busca o bem comum no sistema político. Precisamos nos posicionar de modo que, especialmente, aqueles que não tem acesso aos recursos necessários para sobreviver possam ter suas vidas e direitos defendidos. Precisamos dar voz e vez para aqueles que, sozinhos, não têm como serem ouvidos nas suas necessidades.
Precisamos entender que, assumindo uma posição ou ficando indiferentes, sempre tomamos uma posição e, desse modo, sempre expressamos o que pensamos e o que defendemos. Todas as escolhas que fazemos diante das decisões relativas a nossa vida em sociedade são posições políticas e tem consequências e, mesmo não escolhendo um lado, já se está fazendo uma escolha e assumindo uma posição.
 Assumir uma posição, escolher um lado, não significa que estaremos sempre certos ou que acertaremos sempre em nossas escolhas, mas significa que estamos buscando caminhos para melhorar nossa vida em sociedade (ou talvez não, se estivermos sendo movidos pelo desejo de poder e ambição). O importante é entendermos que se temos uma posição clara sabemos onde estamos e podemos enxergar melhor para onde vamos caminhando
Jesus tinha uma posição juntamente com seus discípulos, as autoridades romanas tinha uma posição, as autoridades judaicas também tinham sua posição. No embate entre essas posições, Jesus foi morto para que sua voz não mais incomodasse. Entretanto, Deus ressuscitou Jesus e sua voz continua a ecoar entre nós até os dias atuais. Deus também tomou partido, tomou partido por Jesus e contra os que o condenaram injustamente. Deus também tem posições!
Que cada um de nós possa meditar à luz do Evangelho nesses tempos de campanha e de eleições. Que cada um de nós procure fazer suas escolhas olhando para as escolhas de Jesus, buscando aprender com Ele o que pode ser realmente bom para todos, começando por aquilo que promova a vida e a dignidade dos pobres e excluídos. Cada pessoa é livre para se posicionar politicamente, mas se somos cristãos, não podemos nos posicionar sem considerar as escolhas de Jesus, pois são elas que devem iluminar as nossas escolhas políticas também.
Nenhum de nós tem 100% de certeza de fazer as escolhas corretas, podemos errar em nossas escolhas políticas, mas se a intenção continuar iluminada pelo caminho e escolhas de Jesus, podemos sempre recomeçar, pois Jesus nos ensinou que no caminho, se a gente errar, existe a conversão e a misericórdia do “Abbá” (“painho do céu”).
         
Desejo a todos um caminho de eleições iluminado pela Boa Notícia de Jesus para construirmos juntos o que Jesus ensinou, um mundo de irmãos e irmãs, de fraternidade, justiça e paz! 
“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10,10b)

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