Durante a quaresma os cristãos
católicos são convidados a viver esse tempo seguindo um caminho de conversão
marcado por três práticas: o jejum, a oração e a caridade. No Evangelho segundo
Mateus, ao tratar dessas três práticas, aparece uma importante indicação de
como realizá-las[1]:
não fazer nada disso ostentando ou se exibindo, mas com modéstia e discrição,
sem atrair a atenção para si mesmo. Em tempos de redes sociais, com tantas
fotos, postagens e vídeos, nos quais as pessoas expõem suas vidas, sua
intimidade, o que estão fazendo, onde estão passeando, sua opiniões sobre os
mais diversos assuntos, fiquei pensando nessa orientação do Evangelho e de como
ela dialoga com esse novo contexto.
No texto do Evangelho, os
conselhos de discrição para não atrair para si mesmo a atenção ao fazer a
oração, o jejum e a caridade estão no contexto de crítica aos fariseus que
gostavam de ser reconhecidos pelo povo como pessoas piedosas e fieis, como
modelos de pessoas verdadeiramente religiosas. Essa crítica visava demonstrar
que obter os louvores das pessoas por praticar os ensinamentos da religião era
um modo de idolatria, pois não se louvava a Deus (razão pela qual se vive a
fé), mas se louvava a pessoa numa atitude que alimentava sua vaidade religiosa
e gerava certo privilégio social. Isso fazia com que os fariseus fossem
tratados como superiores as demais pessoas por serem considerados mais
“religiosos” e mais “fieis” com suas práticas.
Jesus, no Evangelho, desmascara
essa prática e revela a verdade escondida: quando se faz a oração, o jejum e a
caridade para “ser vistos pelos homens”, com o objetivo de obter sua admiração
e privilégios, na verdade não se presta um culto verdadeiro a Deus, mas um
culto a si mesmo. Por isso, Jesus ensina que o importante é o “Pai que vê o que
está escondido”, pois é Ele quem dá a verdadeira “recompensa” aos que praticam
sua vontade sem buscar atenção para si mesmos.
Em tempos de redes sociais nos
quais parece que tudo o que fazemos e vivemos precisa ser exposto para que as
pessoas “curtam”, visualizem, comentem, acredito que esse texto pode nos dar um
critério de reflexão sobre essa realidade.
Parece que as redes sociais têm
alimentado nas pessoas o desejo de “ser vistos”, de sentir-se notados pelas
outras pessoas, de conseguir sua admiração. Temos prazer em saber que outras
pessoas nos notam, que elas têm interesse por nós, que elas nos admiram. As
redes sociais favorecem tanta interação que temos a impressão (geralmente
falsa) de que possuímos muitos amigos, de que todos eles gostam de nós e nos
admiram e nos “seguem”, de que estão “ansiosos” para saber o que estamos
fazendo ou o que estamos pensando.
Isso tudo cria a ilusão de
sermos o “centro” das atenções e, desse modo, começamos a postar de tudo no
desejo de obter mais “seguidores”, mais “curtidas” e manter esse “prazer”
viciante de estar em destaque. Iludimo-nos pensando que somos importantes para
a vida de todas as pessoas, que elas não conseguiriam viver sem nossas
“postagens”, quando a verdade é que somos nós que não conseguimos viver sem ser
vistos, “visualizados”. Vivemos pelo princípio de que “posto, logo existo”, e
não postar seria equivalente a não existir, pois ninguém estaria vendo minha
vida. O olhar do outro se torna, dessa forma, o critério da minha existência, o
critério do valor que tem a minha própria vida.[2]
A crítica do Evangelho a esse
culto do “ego” por meio da exposição do que faço em vista da promoção da minha
imagem (que muitas vezes tem por trás uma carência que precisa ser preenchida
com amor, mas que está sendo alimentada pelas redes sociais por uma falsa
sensação de “ser importante”), nos recorda que somente seremos felizes e
completos quando não nos colocarmos no centro, ou seja, não fizermos as coisas
buscando as atenções para nós. A verdadeira recompensa vem do amor partilhado,
do bem feito ao outro livremente e sem expectativas de reconhecimento, porque
nos sentimos felizes pelo simples fato de existirmos e de podermos construir
relações livres.
Somos seres sociais, temos
necessidade de construir relações para viver, mas para que eu faça isso de
forma sadia preciso sair de mim mesmo e ir ao encontro dos outros, não de
querer que o outros se voltem para mim. Por isso, as redes sociais podem ser
muito boas se vistas e usadas nessa perspectiva, entretanto, a problemática
acima apresentada também existe, por isso a crítica apresentada pelo Evangelho
se torna útil para cada um de nós, nos ajudando a refletir como nos portamos
nesse imenso mundo das redes sociais.
Jesus, ao ensinar que se deve
praticar a oração, o jejum e a caridade sem chamar a atenção das pessoas para
si mesmo, mas deixar tudo “escondido”, está nos dizendo para não alimentarmos a
atitude narcisista que carregamos dentro de nós. É preciso redefinir nossas
motivações para tudo o que fazermos a fim de construirmos relações mais livres
e solidárias entre nós. Confiar na recompensa do “Pai que vê o que está
escondido” é confiar que as atitudes e relações cultivadas nesse espírito de
desprendimento podem gerar bons frutos não somente para nós, mas para todas as
pessoas.
Dentre as nossas práticas
quaresmais, façamos uma reeducação de nossa presença nas redes sociais. Vamos
rever como construímos nossas relações com as pessoas e procuremos identificar
e fugir do culto ao “ego”. Olhemos para o que é importante segundo a prática de
Jesus de Nazaré: o amor gratuito em nossas relações (jejum), a busca pelo bem e
pela justiça em favor de todas as pessoas começando pelas mais necessitadas
(caridade), a atitude agradecida diante do Pai que “vê o que está oculto” e que
nos ama (oração).
[1]
Evangelho segundo Mateus, capítulo 6, versículos de 1 até o 6 e do 16 até o 18
(Mt 6,1-6.16-18).
[2]
Existem vários artigos científicos disponíveis na internet que tratam dessa
temática e alertam para os transtornos de personalidade, casos de isolamento e
solidão, depressão, entre outros, consequências da forma como são usadas as
atuais redes sociais. Indico o seguinte livro:
YOUNG, Kimberly S.; ABREU, Cristiano Nabuco de. Dependência de Internet: Manual e Guia
de avaliação e tratamento. São Paulo: Artmed, 2011.