segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ainda podemos falar de Deus?

Ainda podemos falar de Deus? 

Um artigo de Frédéric Lenoir

“A maioria dos autores “crentes” contemporâneos e posteriores à Segunda Guerra Mundial enfatiza a necessidade de repensar Deus não mais como o ‘Todo-poderoso’, mas como o ‘não-poderoso’, esse que se deixa pregar na cruz, que se apaga diante da liberdade humana”, escreve Frédéric Lenoir em artigo publicado no Le Monde des Religions, 01-01-2011. Lenoir é diretor de redação do Monde des Religions. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Quando foi feita a pergunta “Você acredita em Deus” a Albert Einstein, este respondeu: “Me diga o que você entende por Deus e eu te direi se creio nele ou não!”. Seu interlocutor ficou calado. E por quê! Quando se diz “Deus”, de que Deus se está falando? Do Deus ao qual os astecas sacrificavam crianças? Do Deus pessoal da Bíblia que fala a Moisés e aos profetas? Do Deus de Espinosa que se identifica com a natureza? Do Grande Relógio de Voltaire? Mesmo no interior de uma tradição como o cristianismo, as imagens de Deus são inúmeras: o que há de comum entre o Pai amoroso de Jesus“que faz brilhar o sol tanto sobre os bons como sobre os maus” e o padre Fouettard do século XIX que, pela boca de muitos clérigos, ameaça o menor pecador com o fogo eterno? Entre o Deus da Madre Teresa, em nome do qual ela deu sua vida a serviço dos mais despojados, e o do Grande Inquisidor, que estava convencido de ser seu mais fiel servidor ao condenar à fogueira os heréticos?

Diante das aberrações da religião, os “mestres da suspeita” vão desenvolver uma crítica radical de Deus e da fé. Denunciada como uma alienação intelectual por Augusto Comte, como uma alienação antropológica por Ludwig Feuerbach, como uma alienação econômica por Karl Marx e como uma alienação psíquica por Sigmund Freud, a fé em Deus é vista pelos principais pensadores do final do século XIX como a sobrevivência infantil de uma necessidade de segurança que impede o homem de atingir sua plena estatura.

Os dramáticos acontecimentos do século XX também vão dar um golpe fatal à ideia bíblica do Deus bom e todo-poderoso. Como ainda podemos crer nesse Deus providencial, que cuida de cada um, depois de 50 milhões de mortos das duas guerras mundiais? Após dezenas de milhões de mortos do Holocausto? Após Hiroshima? Após Auschwitz? “Deus morreu pendurado em uma corda por um verdugo em Auschwitz”, dirá Elie Wiesel para explicar a perda de sua fé após ter atravessado o horror dos campos de concentração.

Ainda podemos falar de Deus no começo do século XXI? Deus ainda é crível? Alguns filósofos judeus e cristãos, como Emmanuel Lévinas ou Paul Ricoeur, tentaram redesenhar a possível figura de Deus na nossa pós-modernidade. Pois, como destacouHannah Arendt, “não é certo que Deus esteja morto, porque sabemos tão pouco sobre sua existência [...], mas, sem dúvida, a maneira como se pensou Deus ao longo de séculos não convence mais ninguém: se alguma coisa está morta, só pode ser a maneira tradicional de pensá-lo”. Assim, a maioria dos autores “crentes” contemporâneos e posteriores à Segunda Guerra Mundial enfatiza a necessidade de repensar Deus não mais como o “Todo-poderoso”, mas como o “não-poderoso”, esse que se deixa pregar na cruz, que se apaga diante da liberdade humana. “Deus é impotente e fraco no mundo. E assim apenas está conosco e nos ajuda”, escreveu Dietrich Bonhoeffer pouco antes de ser morto pelos nazistas, fazendo assim eco às proposições de Etty Hillesum.

Mas, a maneira que me parece hoje a mais justa para um crente para falar de Deus... é falar dele o menos possível. De retornar à posição apofática de muitos místicos de todas as religiões, que lembram que a única coisa que podemos dizer de Deus é o que ele não é. É assim que podemos compreender a desconcertante oração do Mestre Eckart que pede a Deus... para se liberar de Deus! Se quisermos tornar Deus crível em nosso mundo desencantado, mais que falar dele, os crentes deviam sobretudo viver uma experiência interior transformadora e testemunhá-lo através de uma vida alegre e amorosa. Porque, no final das contas, como escreveu o grande teólogo Hans Urs von Balthasar: “só o amor é digno de fé”.





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