Tenho
pensado muito, nestes dias, após a Jornada Mundial da Juventude de Madrid,
sobre o desafio de evangelizar nos dias atuais.
Percebo que
nossa prática está, muitas vezes, marcada por uma mentalidade, um modo de
pensar a fé e sua transmissão, que não correspondem ao modo de pensar e sentir
da “nova” messe que se apresenta diante de nós neste novo milênio.
Vou tentar
explicar o que quero dizer....
Nos últimos
500 anos, a Igreja (e quando falo Igreja, me refiro a sua totalidade: clero,
religiosos e leigos) evangelizou no ocidente, em sua maior parte, dentro de um
ambiente de cultura cristã, ou seja, num ambiente no qual, se as pessoas não
conheciam o evangelho ou viviam em comunidades eclesiais, as pessoas conheciam
e aceitavam a pessoa de Jesus com todas as afirmações dogmática relativas a Ele
e, deste modo, falar de Jesus, anunciar que Ele é o Filho de Deus que veio ao
mundo por amor a nós e deu sua vida como grande doação de amor para nossa
salvação, sempre foi claramente compreendido e aceito. Então, a evangelização
se tornou um processo de conscientização, de levar as pessoas a tomarem
consciência e a sentirem como algo próximo, real, pessoal, aquilo que elas, em
geral, já sabiam de modo cultural e conceitual. Essas pessoas eram, e ainda são
hoje, convidadas a (re)descobrirem o valor e a beleza da fé que conhecem, mas
não experimentam em suas vidas.
Entretanto,
existe uma realidade nova, que cresce a cada dia devido ao processo de
secularização crescente no mundo. Esta realidade é a das pessoas que nascem sem
receber nenhuma catequese cristã, algumas foram até batizadas, mas somente
isto. Outras foram educadas distantes do contato com o mundo religioso, olhando
a religião (ou as religiões) como uma espécie de curiosidade cultural,
filosofia de vida, etapa primitiva do processo evolutivo do ser humano, um
fenômeno a ser estudado pelas ciências humanas e por aí vai...
O discurso
dogmático não funciona com essas pessoas... Dizer coisas do tipo: “Jesus é o
Senhor”, ou “Jesus é Deus, nosso salvador”, ou ainda “Quem segue a Jesus
encontrará a salvação”, tem tanto efeito como usar uma peneira para tapar o
sol. Essas pessoas escutam este discurso e dizem: “ daí?”, “Isso é o que você
diz, é a tua verdade, mas eu penso diferente”, “isso é história para criança,
quem ainda acredita numa fantasia dessas?”
O que fazer?
Como evangelizar neste contexto? Estas perguntas têm me perseguido há alguns
anos e voltaram com muita força durante a Jornada Mundial da Juventude, pois vi
esta contradição presente: jovens que se declaravam fiéis e fervorosos no
desejo de seguir Jesus, e jovens que não viam sentido nenhum em tudo aquilo e,
por isso mesmo, protestavam contra a Jornada.
Nos
discursos se dizia: “Jesus é o único que pode dar sentido a vida dos jovens”.
Porém, isto não quer dizer nada para esta nova geração que cresce a margem da
fé cristã...
Comecei,
então, a pensar que modelo de evangelização poderia funcionar neste novo tempo,
nesta “mudança de época” em que vivemos.
Percebi que
o modelo “tradicional” (que não quer dizer da tradição da Igreja) baseia-se em
um modelo teológico conhecido como “teologia de cima”, ou seja, se parte de
conceitos já estabelecidos pela Tradição e pelo Magistério como verdades
fundamentais da fé (por exemplo, Jesus é humano e divino) e, partindo disto se
realiza uma reflexão explicativa, para provar este conceito como verdadeiro. A
evangelização que segue este modelo parte do anúncio de que Jesus é o Senhor,
de que Deus nos ama, de que Jesus nos salvou na cruz, e, partindo deste kerigma, se constrói o discurso para que
a pessoa compreenda este anuncio, o acolha e faça sua adesão de fé.
Este modelo
de evangelização não alcança esta nova realidade crescente no mundo, como já
expliquei acima. Este modelo toca aqueles que têm algum referencial cristão ou
tem uma abertura e uma busca por esse encontro com Deus de modo muito
consciente. Porque para quem não tem o referencial cristão, esta busca pode
estar sendo respondida em outra experiência religiosa...
Existe outro
modelo de evangelização, também baseado em um modelo teológico conhecido como
“teologia de baixo”, que me parece um caminho de resposta ao desafio da
evangelização nas novas realidades de hoje. Este modelo parte da realidade do
evangelizador e dos seus interlocutores. Parte das experiências da vida
concretas, tentando perceber seu sentido mais profundo numa perspectiva cristã
de seguimento de Jesus, procurando viver, sentir, se relacionar partindo dos
valores do evangelho de Jesus. Neste processo o primeiro passo é a vida, a
forma de viver, o sentido com o qual se vive e, a partir disso, descobrir no
dia-a-dia esta presença ressuscitada de Jesus, até chegar ao ponto da
descoberta mais fantástica: Ele é Deus-conosco!
Neste modelo
o evangelizador anuncia com a vida que seguir Jesus é o verdadeiro caminho da
felicidade do ser humano. Quando falo evangelizador não estou me referindo
simplesmente a um indivíduo que vai como missionário anunciar o evangelho em
algum lugar. Estou me referindo a pessoas que, vivendo em comunidade,
compartilham o estilo de vida de Jesus: no amor, no perdão, na solidariedade,
na oração, na justiça, na caridade, na esperança... Foi deste modo que os
primeiros cristãos provocaram e atraíram quem estava ao seu redor, sendo um
sinal no mundo da presença de Jesus. Este modelo de evangelização convida as
pessoas não a ouvirem discursos primeiro, mas a ouvirem a vida que se
apresentava diante delas e, sendo provocadas a experimentar, elas podem fazer a
experiência do que significa viver conforme a Boa Notícia de Jesus. Fazendo o
caminho elas poderão descobrir quem é Jesus, reconhecer que realmente a vida
encontra pleno sentido nEle, que só sendo Deus para nos trazer tão profunda e
bela verdade: somos filhos amados por Deus, salvos por seu amor e chamados a viver
uma vida nova.
Este modelo
é bem mais exigente do que o primeiro, pois o outro pode cair no
intelectualismo: discurso e conceitos bonitos, mas que não passam de palavras
para seus ouvintes e que podem ser facilmente manipulados ideologicamente.
O segundo
modelo é existencial: a vida é o critério de base, a busca do seguimento feliz
e ousado que gera questionamentos à mentalidade e aos valores da cultura
presente, fazendo perguntar-se se “este modo de viver é realmente o melhor”, “o
que move estas pessoas a viverem assim e de onde vem sua alegria, sua
felicidade, pois não vivem nossos valores, vivem outros, aprendidos com um ‘tal
Jesus’”. Aqui a manipulação é mais difícil, pois somente fazendo a experiência é
que se compreende em profundidade o significado da mensagem evangélica.
Estou
persuadido de que este é o caminho, mas também descobri que ele é bem mais
exigente. O cristão que deseja levar ao mundo a boa notícia de Jesus de Nazaré,
o Deus-conosco, o Senhor da cruz, o ressurrecto dentre os mortos, precisará de
uma conversão de mentalidade, de modelo de evangelização, pois estamos
profundamente marcados pelo modelo “de cima”... Facilmente queremos empurrar
“goeala a baixo” dos outros verdades prontas e acabadas. Mudar esta postura não
é fácil...
Por isso, a
mensagem do evangelho que intitula esta reflexão: “Odres novos para vinho
novo”. Os odres somos nós e o vinho novo é este modelo de evangelização “de
baixo”. Se não mudarmos, se não fizermos uma conversão de mentalidade, este
vinho novo vai se perder e nós também nos perderemos.
Depois
poderei fazer outro texto fundamentando melhor esta proposta de evangelização.
Por hora, só queria compartilhar esta reflexão que me levou a esta descoberta
provocadora e provocativa... Sinto que converter-me neste contexto será um
caminho difícil...
A você que
está lendo e conseguiu chegar ao final eu peço: se concorda comigo, se acha que
vale a pena fazer este caminho, por favor, não me deixe só! Pode ser que juntos
consigamos o que sozinhos jamais seríamos capazes..
Vamos
tentar... “Tudo vale a pena mesmo que a fé seja pequena!”
Um abraço!
Pe. Augusto
Lívio
Muito bem, concordo com tudo, precisamos buscar novos caminhos para a evangelização, sozinhos não somos nada e juntos somos tudo, estou contigo.
ResponderExcluirSimone Alves
Diocese de Petrolina
Paz e bem!
ResponderExcluirPe. Augusto, vejo que, em muitas coisas, que convergimos para um mesmo pensamento. Desde já peço desculpas a todos, pois irei me alongar, kkkk.
Como há mais de 3 anos venho me dedicado a evangelização na universidade, tenho observado que, devido ao ambiente, muitos insistem que a “catequese”, ou seja, o estudo da doutrina da igreja é o melhor meio para evangelização. Porém, por experiência, vejo que as pessoas querem ver o “concreto” (como falaste acima). Não quero excluir a hipótese de sabermos da doutrina e de ensiná-la, mas partilho que o que me inquieta é COMO TRANSMITIR, pois o que devemos transmitir, a Boa Nova, já sabemos. Com isso, concluo aqui que a FRATERNIDADE, deve ser um bom caminho, pois é o principal testemunho cristão, como Jesus mesmo nos disse: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35). Em suma, devemos dialogar mais, como amigos, irmãos, como que amam, pois muitas vezes sabemos pregar e formar, mas não sabemos conversar. Nossa fraternidade mostrará nossa fraquezas e fragilidades, mas mostrará também nossa perseverança e Amor. Creio ser esse um dos “temperos” que está faltando, ou melhor, que esquecemos.
Desculpem ter me alongado, mas avisei, kkk. Abraço a todos e vamos em frente!!!
Adorei o texto, me fez lembrar muito o "Curso de Evangelização 2000". Realmente precisamos repensar a nossa forma de evangelizar, pertencemos a uma nova geração, por isso precisamos perceber que se faz necessário uma nova forma de evangelizar, e acredito que o melhor caminho é, de fato, o da unidade, juntos em prol de um único objetivo: Anunciar (de uma nova forma, "de baixo") que Jesus é o Senhor!
ResponderExcluirMeus amados,
ResponderExcluirA atualidade necessita mais de testemunhos que de pregação, sem menosprezar a verdadeira tradição, precisamos voltar às origens do anuncio, que se deu em meio também a uma sociedade plurarista, precisamos nos deixar ser conduzidos pelo Espírito Santo, e não por Ideologias humanas VINDA DE BAIXO que a história já provou seu fracasso.Só cego para não querer ver.
1)- Primeiramente, é necessário que conheçamos, em linhas gerais, algumas características do Estado Moderno.
2)-O mundo moderno tornou-se absolutista. As monarquias absolutistas européias tiveram o apoio teórico de pensadores como Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes. Como bem concluiu Ernst Cassirer ao estudar Maquiavel e, como é evidente para quem conhece a teoria política de Hobbes, o Estado tornou-se autônomo, isto é, ele cria suas leis e não há nenhuma barreira religiosa, moral ou intelectual que se possa opor à sua vontade soberana.
3)- Hobbes chegou ao cúmulo de enunciar a seguinte proposição:“O justo e o injusto não existem antes que a soberania fosse instituída; sua natureza depende do que é ordenado, e por si mesma cada ação é indiferente: justa ou injusta, depende do direito do soberano. Por isso, os reis legítimos, quando ordenam uma coisa, a tornam justa pelo simples fato de que a ordenam; proibindo-a, a tornam injusta, simplesmente porque a proibiram.”Realmente, tanto o absolutismo quanto o liberalismo iluminista concedem teórica e praticamente um poder absoluto ao Estado, o qual está acima da moral, da religião e mesmo da razão, visto que, em ambos os casos, o que impera é a Vontade.
4)- Para o iluminismo, é a vontade geral que transforma uma coisa em certa ou errada, em criminosa ou legal. Ela não é limitada pela razão, pois é absoluta. Foi esse poder absurdo sem restrição nenhuma que deu aos nazistas, posteriormente, o direito de fazer as suas criminosas leis racistas e determinar o extermínio dos judeus e dos doentes mentais.
5)- Exatamente por isso o Estado Moderno tem que ser laico, pois quer ser absoluto, e não poderia ser impedido em suas decisões por nada, nem mesmo por Deus. Esse Estado, porém, não tem apenas essa pretensão, como notou Paul Hazard, os iluministas desejavam e acreditavam que “instituiriam um novo direito, sem qualquer relação com o direito divino; uma nova moral, independente de qualquer teologia; uma nova política que transformaria os súditos em cidadãos. Essa é a mentalidade que construiu o Estado Moderno. Como podemos notar, esse Estado possui as seguintes características:
1. É absoluto.
2. É laico.
3. Reduz a religião ao foro íntimo, como uma questão subjetiva e particular.
4. Propõe-se, por meio do progresso e pela construção de uma ordem civil sem Deus, dar a paz e a felicidade ao homem.
5. É antropocêntrico, pois julga que o homem deve buscar em si a própria razão de ser e a felicidade.
6)- NO ESTADO LAICO ABSOLUTO Há uma religião – a do Modernismo – para a qual fé e razão são coisas separadas e mesmo opostas. Para essa religião, a fé seria fruto de uma experiência interior, espiritual, subjetiva e inefável do crente com a divindade. A razão, pelo contrário, seria uma potência comum a todos os homens, e sua função seria tentar conhecer e controlar o mundo material. O mundo da razão teria leis gerais, isto é, leis que seriam fruto de generalizações feitas pela razão humana. O mundo da fé, pelo contrário, seria totalmente individual, subjetivo e único para cada homem. O mundo da fé seria irracional e o mundo da razão, claro, seria racional. Assim, tanto o mundo quanto a razão seriam contrários a fé. O mundo da razão e o mundo da fé estariam absolutamente separados.
O Estado Moderno LAICO E ABSOLUTO, portanto, é péssimo e muito adequado aos planos do triunfo do Anticristo.
“Pregando a Verdade e confirmando os irmãos na verdadeira fé, com a graça de Deus construo Catedrais nas almas para que nelas possam habitar o Espírito Santo de Deus” ( Pierry de Craon).
Shalom !!!
"Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns." (I Co. 9,22) São Paulo já nos dá a resposta... nos acheguemos aos irmãos e em nosso testemunho levemos a alegria de ser Deus e assim anunciemos a Salvação!
ResponderExcluirÓtimo texto!
Concordo plenamente com voce... acho sim que precisamos mudar rapidamente o modelos de evangelização... De que adianta palavras soltas ao vento? Já dizíamos a um tempo atras.. "Palavras convencem, mas o testemunho arrasta"
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