CEB'S EM QUESTÃO
Li esta semana a entrevista que o Pe. Marcelo Rossi deu a Folha de São Paulo, na qual tece comentários sobre alguns tema da Igreja, mas é sobre as CEB's que seus comentários provocaram certa reação.
Hoje li um texto do Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, em resposta aos comentários do Pe. Marcelo.
Achei interessante compartilhar aqui este debate. Para usar de honestidade intelectual vou postar os dois textos seguidos para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões. Manifestarei minha reflexão posteriormente.
Apesar da postagem ficar um pouco extensa, acho que vale a pena ler tudo. Segue, então, os textos:
ENTREVISTA PADRE MARCELO ROSSI
O perigo é esquecer a oração e cair
na política
(DIÓGENES CAMPANHA) DE SÃO PAULO
-
Folha - Qual sua expectativa em
relação ao papa Francisco?
É uma expectativa muito grande, a
começar pelo rompimento dos protocolos. Espero muito da renovação da igreja, da
opção pelos pobres. Espero em julho estar com ele na Jornada Mundial da
Juventude e entregar o [livro] "Kairós". Meu amigo padre Fábio de
Melo, padre Reginaldo Manzotti e eu estaremos lá, cantando para ele.
Em 2007, o senhor foi impedido de
cantar para o papa Bento 16 no Brasil e acusou a Arquidiocese de São Paulo de
boicotá-lo. Temeu que o arcebispo dom Odilo Scherer virasse papa?
Não, pelo contrário. Dom Odilo pôde
me conhecer de perto. Percebeu que eu não era um artista. Hoje tenho uma
admiração e um carinho enorme por ele. Não vou dizer que [o responsável pelo
boicote] foi dom Odilo. Foi o comitê organizador. É muito fácil culpar. Às
vezes, a pessoa nem está sabendo.
Ainda em 2007 ele disse que seu
trabalho era "insuficiente" e que "o padre não é um
showman". O que mudou?
Ele entendeu que eu não faço show.
Celebro missa. Toda missa que faço, mesmo na TV, quem está à frente é o meu
bispo [dom Fernando Figueiredo, bispo de Santo Amaro]. Estou lá animando. Minha
função é animar as pessoas.
O último Censo apontou um aumento do
número de evangélicos e a diminuição do número de católicos. Como recuperar o
terreno?
O número de católicos é enorme e o de
padres, em relação aos fiéis, mínimo. Para formar um sacerdote são no mínimo
sete anos. Um pastor se faz em três meses. A formação é mínima. E precisa ter
acolhida. A pessoa vai à igreja, ela está fechada. Os [templos] evangélicos
estão sempre abertos. E o uso da mídia. Você liga a TV, sempre tem coisa
evangélica, pessoas que invadem horários e horários. É até exagerado.
Na assembleia da CNBB, neste mês, a
igreja indicou que quer incentivar as Comunidades Eclesiais de Base para
recuperar espaço em áreas pobres. Deve ser esse o caminho?
Aí eu questiono. Acho as CEBs
importantes, mas hoje nosso povo precisa de grandes espaços. Vejo nas missas do
Santuário. Uma vela ilumina? E dez? E 20 mil? O Palmeiras estava sem 13
titulares, mas a torcida foi e eles se classificaram na Libertadores. Faz
diferença. Os evangélicos erguem grandes locais, porque reúnem as pessoas. Se
ficar fechado na CEB, esquecer a oração, ficar só na política... Se olhar os
que estão no governo, a maioria surgiu da CEB.
A CEB está na origem do PT.
O PT surgiu da CEB. Então, que não
politize. O perigo é este: cair na política.
O senhor é criticado por atrair o
público, mas adotar um discurso conservador e distante dos problemas sociais.
Temos trabalhos com recuperação de
drogados, arrecadação de alimentos. Nas CEBs, acaba se tornando mais política
do que social. É mais perigoso a pessoa ter a tentação à política na CEB.
Acha que a igreja serviu de trampolim
para integrantes do governo ou do PT?
Não poderia julgar. A Igreja Católica
é apartidária, pelo menos deve ser. Os evangélicos, às vezes, determinam em
quem votar. Estamos voltando à Idade Média, o período mais terrível e negro da
igreja.
Mas na campanha do ano passado houve
episódios polêmicos envolvendo a Igreja Católica, como a declaração de dom
Odilo contra a campanha de Celso Russomanno.
E dom Fernando depois se manifestou
[disse que Russomanno era católico]. Russomanno saiu de encontro de casais. Fiz
o casamento dele, batizei os filhos. Ele é católico. É fácil hoje você destruir
uma pessoa. Veja o [deputado Gabriel] Chalita [acusado de receber favores de
empresas quando era secretário estadual da Educação].
Como avalia as denúncias contra ele,
que é seu amigo?
Fico perplexo. Estou esperando ele se
manifestar. Nossa função é ficar quietinho, porque é um amigo que me ajudou
muito. Quero ver o que vai ser provado. Se algo está errado, você vai falar
[denunciar] depois de dez anos? É para destruir a pessoa.
Conversou com Chalita?
Até agora não, acredita? Estou
esperando um posicionamento mais claro. Ainda dizia, quando ele falou que iria
entrar na política: "Não faça isso". Eu o aconselhei várias vezes.
Conselho é bom, né, mas você só pode dar.
Espera um posicionamento público ou
que ele fale pessoalmente com o senhor?
Pessoalmente eu não prefiro. Tenho
certeza de que ele vai falar que está tudo OK. Mas quero ver um posicionamento
provando isso.
Acredita na inocência dele?
Parto do princípio da confiança. Mas
não sou cego. Se eu vejo alguma coisa que está errada... Por isso estou
esperando que ele se coloque.
Qual sua opinião a respeito do pastor
Marco Feliciano (PSC-SP) à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara?
Ele tentou até me provocar [disse, em
uma entrevista, que "padre Marcelo pede dinheiro e nunca se falou
nada"]. Eu nunca pedi dinheiro. Pelo contrário. O jogo deles é criar
guerrilha. A melhor coisa é ficar quieto. A Justiça do mundo pode tardar, mas
chega. E credibilidade não se compra. Em 2010, a Folha fez uma pesquisa sobre
em quem o brasileiro mais confiava, com 27 personalidades. Estava o Edir
Macedo, que ficou lá em 20º [foi o 26º]. Fiquei em terceiro lugar. Eram Lula,
William Bonner e eu.
Ele deveria renunciar?
Ele nem deveria estar lá, na minha
opinião. A partir do momento em que se diz um pastor, não dá para ser ao mesmo
tempo um líder político. Acho importante ter uma bancada católica, como existe
a evangélica. Mas não acho correto padre, bispo, pastor se candidatarem, porque
aí estou transformando um púlpito num palanque.
Qual sua opinião sobre o casamento
gay?
A palavra de Deus é clara: Deus criou
o homem e a mulher. A igreja acolhe o pecador, mas não o pecado. Não vai poder
legitimar o casamento entre homossexuais. Mas acolhe com carinho.
E sobre a adoção por casais
homossexuais?
[Ele é contra] Por causa da formação.
O que vai ficar na cabeça [da criança]? Você quebra o sentido do que é família,
que é o homem e a mulher, o pai e a mãe. São princípios bíblicos. Não sou eu
que vou contrariar a palavra de Deus. Seja evangélico ou católico, a partir do
momento em que você é cristão, não dá.
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/106485-o-perigo-e-esquecer-a-oracao-e-cair-na-politica.shtml
Resposta dada por Frei Marcos Sassatelli ao padre Marcelo
Rossi sobre as CEB's
Fr.
Marcos Sassatelli
Frade
Dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em
DD.HH. (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal
do Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da
Terra
Lendo a "Entrevista Padre Marcelo
Rossi” (Folha de S. Paulo,
29/04/13, p. A14), fiquei abismado com a superficialidade com a qual o
entrevistado trata das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Demonstra
claramente que não tem nenhuma experiência pessoal de CEBs e nenhum
conhecimento teológico a respeito das mesmas.
Antes
de tudo, Pe. Marcelo, comprometer-se socialmente e fazer "a opção pelos
pobres” não é só -como você diz- "ter trabalhos com recuperação de
drogados e arrecadação de alimentos”. Os pobres não são objetos da nossa ação
assistencial e/ou caritativa, mas sujeitos e protagonistas de sua própria
história.
As
obras de misericórdia, principalmente em determinadas situações sociais de
emergência, são necessárias, mas é preciso ter sempre presente sua ambiguidade.
Vale o alerta: "A misericórdia sempre será necessária, mas não deve
contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema
econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas
pela busca de verdadeira justiça social (...)” (DA, 385).
Comprometer-se
socialmente e fazer "a opção pelos pobres”, significa, sobretudo, ser uma
Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; uma Igreja despojada,
sem poder, sem ostentação, sem luxo, sem triunfalismo e sem clericalismo; uma
Igreja solidária com os pobres e que assume a sua causa, que é a causa de um
Mundo Novo, ou, à luz da fé, do Reino de Deus, acontecendo na história humana e
cósmica. "Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres"!
(Francisco, bispo de Roma,16 de março de 2013).
É
lamentável, Pe. Marcelo, que você critique o incentivo da CNBB às CEBs. Elas
-apesar das limitações inerentes à condição humana- devem ser incentivadas não
por uma questão de proselitismo, mas pela sua fidelidade ao Evangelho. As CEBs,
Pe. Marcelo, não "esquecem a oração e não ficam só na política”.
Reconhecem que tudo é político, mas que a política não é tudo.
O
perigo, Pe. Marcelo, não é as CEBs "se tornarem mais políticas do que
sociais”; não é as pessoas terem nas CEBs "a tentação à política” (a
política não é uma tentação, mas uma vocação) ou "caírem na política” (se
politizarem), "combinando princípios cristãos a uma visão social de
esquerda”.
O
perigo é os cristãos/ãs serem alienados e omissos diante das injustiças e
violações dos direitos humanos; não denunciarem -muitas vezes por covardia e
conivência- as "situações de pecado" (DA, 95) ou as "estruturas
de pecado” (DA, 92), que são "estruturas de morte" (DA, 112).
O
perigo é os cristãos/ãs serem irresponsáveis frente aos desafios do mundo,
fechando-se num "egoísmo religioso”, que nada tem a ver com o Evangelho.
Ao
contrário do que você, Pe. Marcelo, afirma, o povo hoje, mais do que de
"grandes espaços”, precisa de "pequenos espaços”, para deixar de ser
massa, viver a irmandade e ser comunidade.
As
CEBs, Pe. Marcelo, são sal, luz e fermento em todas as dimensões da vida
humana, inclusive na dimensão política e político-partidária. Elas -a exemplo
de Jesus- se encarnam no mundo e estão sempre presentes na vida do povo.
Iluminadas pelo Espírito Santo, sabem discernir o que Deus quer nas diversas
situações humanas
As
CEBs vivem a utopia de um Mundo Novo, que, à luz da fé, é a utopia do Reino de
Deus, numa sociedade pluralista e, sem perder sua identidade, respeitam e
valorizam o diferente.
É
lamentável, também, Pe. Marcelo, que você -indo contra todos os ensinamentos da
Igreja- tenha aconselhado várias vezes um cristão (não importa agora o nome) a
não entrar na política, dizendo: "não faça isso”. Felizmente, o cristão
aconselhado demonstrou mais consciência social do que você e não aceitou a sua
orientação.
No
Brasil, as CEBs (à luz da Segunda Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano de Medellín -Colômbia- 1968) são, sem dúvida, a expressão mais
significativa do modelo de Igreja do Vaticano II.
Como
irmão, Pe. Marcelo, permito-me dar uma sugestão: antes de falar das CEBs, faça
nelas uma experiência de vida e estude um pouco de Eclesiologia cristã
pós-conciliar.
Goiânia,
14 de maio de 2013.